Memórias do primeiro

5 Jan 2022 0:25

O quarto capítulo de "Matrix" (com o subtítulo "Ressurrections") não faz justiça à herança da anterior trilogia. Ou seja: "Matrix", de 1999, e "The Matrix Reloaded" e "The Matrix Revolutions", ambos lançados em 2003. O que definia esses filmes não era tanto a renovação que trouxeram aos padrões cinematográficos da ficção científica, mas sim o facto de essa renovação remeter para uma questão de uma só vez existencial e filosófica. A saber: o que é a realidade? Ou melhor: a realidade pode existir como um jogo?… Talvez como numa canção…


Este tema intitula-se "Mindfield" e pertence ao álbum dos Prodigy, "The Fat of the Land", lançado em 1997. É uma canção que encontramos, dois anos mais tarde, no primeiro "Matrix", de algum modo definindo uma cumplicidade cultural. Na verdade, os jogos de espelhos, ora feéricos, ora trágicos, de "Matrix" reflectem um estado de espírito transversal a muitas manifestações da cultura popular. Nessa perspectiva, as canções, as músicas não são um banal pano de fundo, mas uma fundamental pontuação dramática. Incluindo o jazz…


Obviamente, não é por acaso que encontramos também o jazz. Neste caso no "Matrix Revolutions" — trata-se de "I’m Beginning to See the Light", tema a cuja composição está ligado o nome de Duke Ellington, aqui numa notável interpretação do saxofonista Ben Webster. A confluência de géneros e estilos apresenta-se de tal modo diversificada que no mesmo "Matrix Revolutions" podemos encontrar também o som inconfundível da guitarra de Django Reinhardt.


Ficamos, por isso, com uma perspectiva insólita, mas justificada, do universo "Matrix". Ou seja: há nele uma musicalidade que envolve, não apenas as matérias musicais, enquanto tal, mas o modo como elas se enredam nos labirintos do mundo virtual. Afinal de contas, Neo, a personagem de Keanu Reeves, tem de escolher entre uma pílula vermelha e uma pílula azul para dar entrada nesse mundo de infinitos simulacros. Ironicamente, e inesperadamente, o balanço de tudo isso está no novo "Matrix": aí encontramos um dos clássicos absolutos do psicadelismo rock — "White Rabbit", dos Jefferson Airplane: uma viagem no tempo, até 1967.

  • cinemaxeditor
  • 5 Jan 2022 0:25

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