Audrey Diwan consagrada com o Leão de Ouro no Festival de Veneza (Domenico Stinellis Associated Press)

5 Jan 2022 19:02
"O Acontecimento" é a segunda-longa metragem da realizadora e argumentista francesa de origem libanesa Audrey Diwan e desenvolve uma narrativa que dramatiza o dilema de uma mulher jovem determinada a interromper a gravidez em 1963, uma época em que o aborto era proibido e criminalizado em França.
O aborto clandestino é o tema principal do filme que adapta uma novela de Annie Ernaux publicada em 2003. Trata-se de um relato em parte autobiográfico da escritora, que emocionou a cineasta Audrey Diwan e a impulsionou a realizar o filme.
Entrevistada pelo CINEMAX / ANTENA 1, Audrey Diwan (n. 1980) explica o que a motivou a filmar este tema, a pesquisa efetuada, e avalia a relevância do Leão de Ouro no Festival de Veneza.

O livro de Annie Ernaux como fonte de inspiração
"Eu descobri muito tarde o livro ”O Acontecimento”. Foi depois de ter tido um aborto. Queria muito ler coisas sobre esse assunto e uma amiga aconselhou-me a lê-lo. Foi um choque para mim. Porque acho que nunca me tinha projetado nessa realidade. Conheço a palavra aborto clandestino, mas não sabia bem o que significava. E, também, porque percebi a grande diferença que existe entre o que eu vivi, um aborto medicamente assistido, e o que a personagem teve de passar."

A pesquisa

"Fizemos muitas pesquisas para saber quais os gestos certos e quais eram os objetos utilizados. Não foi fácil porque não se fala muito sobre o aborto clandestino. Tivemos que pedir a ajuda de uma Faculdade de Medicina para saber qual era a sonda utilizada. Para fazer as cenas mais sensíveis, conversei muito com a Anna Maria que tem o papel da jovem Anne. Não ensaiámos. A ideia foi viver esse momento e ir fazendo algumas correções sem repetir. Depois trabalhei sobre a duração das cenas. Não podiam ser rápidas, pois tinham de chocar o espetador. Também, não podiam ser longas para não parecer uma provocação. Ao longo das filmagens refleti muito sobre a duração das cenas."

O aborto hoje


"Enquanto escritora estava ciente desta realidade dos anos 60, em França. Infelizmente é a realidade atual de muitas mulheres em todo o mundo. Há muitos países que recusam o direito ao aborto… países da América Latina, de África e da Ásia. Durante o processo de escrita do argumento acompanhei os debates sobre a legalização do aborto que surgiram um pouco por toda a parte, na Polónia e no Texas. Infelizmente, é um tema que permanece atual."

A sexualidade feminina

"Houve outro assunto que me interessou no livro. Eu não queria fazer filme que só falasse sobre o aborto clandestino. Gosto do que Annie Ernaux escreve sobre o prazer sexual, sobre o prazer das mulheres e sobre o desejo de liberdade em geral, o desejo intelectual e de estudar. Vi o livro como se fosse um thriller íntimo e um caminho para a liberdade."

O Leão de Ouro no Festival de Veneza

"O lançamento de ”O Acontecimento” [2003] foi pouco mediático, é dos livros de Annie Ernaux aquele que teve menos mediatismo. Quando recebi o prémio [Leão de Ouro no Festival de Veneza], veio-me isso à cabeça. Disse para mim mesma que a época era outra. Olhei para o júri, era formado por artistas de todas as idades, de todas as nacionalidades e que por unanimidade se deixaram envolver por este assunto. Para mim quer dizer algo sobre a sociedade em que vivemos."

  • Entrevista de Margarida Vaz editada por Tiago Alves
  • 5 Jan 2022 19:02

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