21 Mai 2019 14:19
Ahmed anda na escola, algures na Bélgica dos nossos dias. Um dia, pretende sair mais cedo e, depois de concluídas as suas tarefas, recebe autorização da professora para deixar a sala de aula… Tentando manter um ritual de cordialidade, a professora despede-se dele, estendendo-lhe a mão — Ahmed recusa o cumprimento porque não aperta a mão "a uma mulher".
O novo e espantoso filme de Luc e Jean-Pierre Dardenne filma, assim, o fundamentalismo religioso, não como um "tema" genérico, eventualmente político, antes numa dimensão absolutamente minimalista. Dito de outro modo: "Le Jeune Ahmed" é um filme que nos convoca para conhecermos essa deriva — da ruptura moral até à eclosão de uma violência brutal — que acontece nos interstícios do quotidiano mais banal.
Claro que há a personagem de um imã que é decisivo na intoxicação ideológica de Ahmed, confundindo a identidade muçulmana como uma prática tendencialmente terrorista. Mas, mesmo aí, convém não simplificar o quadro geral da mise en scène, lembrando que há também, por exemplo, a espantosa figura da mãe, assustada (mais do que isso: indignada) com a crescente fuga do filho aos rituais e afectos do espaço familiar.
Enfim, os irmãos Dardenne continuam a encenar histórias em que sentimos e pressentimos as grandes clivagens (sociais, económicas, simbólicas) do nosso presente. Sabem fazê-lo muito para além de qualquer generalização mediática, colocando em cena personagens vivas e contraditórias, sempre tratadas através de um realismo intransigente.
Bem sabemos que, no espaço global dos media, já passou a "moda" dos Dardenne… Seja como for, isso não impede que "O Jovem Ahmed" seja um dos objectos mais depurados e, à sua maneira, também mais belos da competição do 72º Festival de Cannes.