13 Mai 2021 23:38
Eis a boa (e renovada) notícia: as reposições continuam a pontuar a actualidade das salas de cinema. O ciclo dedicado ao americano Joseph Losey (1909-1984) prolonga-se agora com aquele que terá sido, muito provavelmente, o título mais popular da sua filmografia: "O Mensageiro" (título original: "The Go-Between"), vencedor do Festival de Cannes de 1971.
Alguns filmes da competição de Cannes desse ano podem ajudar-nos a vislumbrar o panorama do cinema naquela data. Por exemplo: "Morte em Veneza", título emblemático da obra do italiano Luchino Visconti; "E Deram-lhe uma Espingarda…", libelo pacifista do americano Dalton Trumbo; "Os Amores de uma Adolescente", a estreia do checo Milos Forman na produção dos EUA; "Pânico em Needle Park", exemplo modelar de um certo novo realismo "made in USA" assinado por Jerry Schatzberg; "Sopro no Coração", do francês Louis Malle, sintomático da discussão das formas tradicionais de abordar a sexualidade…
Neste contexto, "O Mensageiro", história de um amor proibido na Inglaterra do começo do século XX — adaptado do romance de L. P. Hartley, por Harold Pinter —, reunia duas componentes fulcrais na dinâmica cultural da época: em primeiro lugar, um gosto revivalista que levava os mais diversos cineastas a experimentar de novo as potencialidades dramáticas e simbólicas do melodrama; depois, uma abordagem da sexualidade que, longe de se esgotar num "romantismo" abstracto, envolvia laços subtis com as componentes sociais e políticas.
Em termos esquemáticos, esta é, justamente, uma história de contrários em que as componentes sexuais emergem como perturbantes mecanismos de revelação. Dito de outro modo: as personagens interpretadas por Alan Bates e Julie Christie vivem uma paixão interdita pela sua pertença a classes diferentes, sendo o jovem "mensageiro", o estreante Dominic Guard, o primeiro e incauto espectador (num certo sentido, também actor) dos perigos que tal paixão arrasta [video: entrevista com Dominic Guard, em 2019].
Losey confirmava, assim, a sua capacidade para colocar em cena a identidade social da cada personagem através dos mecanismos dos seus desejos — recorde-se "O Criado" (1963), também integrado neste ciclo de reposições. Este é um cinema de um realismo metódico que, em qualquer caso, não exclui as componentes mais indizíveis dos fantasmas — meio século depois, "O Mensageiro" continua a ser um admirável objecto de cinema.