18 Mai 2016 23:37
Entramos ou reentramos no cinema dos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne como quem acede a um país desconhecido. Não porque eles abordem situações ou personagens fora deste mundo. Bem pelo contrário: os seus filmes, incluindo o que os traz de novo a Cannes, o admirável "La Fille Inconnue", são retratos contemporâneos de cidadãos mais ou menos anónimos — o que faz a diferença é a sua meticulosa elaboração narrativa.
Digamos, para simplificar, que a questão nuclear do cinema dos Dardenne é, de uma só vez, afectiva e simbólica, social e política. A saber: porque é que o real se apresenta de uma maneira e funciona de outra?
É essa a a experiência da personagem central, a jovem médica Jenny (sublime Adèle Haenel), que, uma noite, já depois da hora do expediente, não abre a porta a alguém que toca na entrada do seu consultório… No dia seguinte, ao saber que foi encontrada nas imediações uma rapariga desconhecida, não pode deixar de se questionar sobre o facto de o seu gesto, não abrindo a porta, ter contribuído para o consumar de uma tragédia.
"La Fille Inconnue" é, de uma só vez, um filme sobre a trajectória de Jenny, procurando uma verdade que muitos parecem querer esconder, e uma crónica sobre a persistência (ou a ausência) de laços sociais. Nesta perspectiva, podemos dizer que os Dardenne continuam a explorar um realismo crítico que se decide entre a evidência dos sinais quotidianos e o modo como neles se reflectem as mais delicadas diferenças ou tensões sociais.
Os resultados são tanto mais surpreendentes quanto "La Fille Inconnue" é um objecto desprovido de ostentação técnica ou formal. Para os Dardenne, importa combater qualquer ilusão de "espontaneísmo" para, muito pelo contrário, dar a ver (e ouvir) as manifestações do humano — ou melhor, daquilo que, apesar de tudo, nos faz ser humanos.