02 Nov 2024
Depois do sucesso de “Os Miseráveis”, o cineasta francês Ladj Ly continua a filmar no bairro onde viveu, em Montfermeil, nos arredores de Paris.
“Os Indesejáveis” é a segunda parte de uma trilogia:
É verdade, quando realizei “Os Miseráveis” pensei logo numa trilogia. Queria contar a história da zona onde cresci ao longo dos últimos 30 anos. Disse a mim próprio que ia fazer uma trilogia onde cada filme correspondia a uma década.
Estamos entre 2005 e os dias de hoje. E também há uma parte final, onde estaremos nos anos 90, que iremos filmar nos próximos anos.
Ladj Ly parte de uma realidade que conhece bem e da experiência que viveu. É uma homenagem ao prédio onde cresceu, o Edifício 5:
Há temas pessoais que são muito importantes para mim. De certa forma, esta história é também a minha história.
Como artista, é meu papel dar testemunho das condições de vida dos habitantes destes bairros, uma vez que sou oriundo deles. Quem melhor do que alguém dessas zonas para falar sobre os vários problemas?
A referência é ao edifício em que cresci. Apercebemos que em quase todos os bairros sociais, em França, há um Edifício 5. É mesmo tudo verdade. Inspirei-me exatamente na realidade da minha vida.
Ladj Ly acredita que há por aí muitos Edifícios 5. O que acontece nos bairros de Montfermeil acontece em muitas outras cidades, em França e noutros países.
Para “Os Indesejáveis”, o cineasta francês imaginou uma cidade onde todas as outras se pudessem rever. A realidade é o que gosta de filmar:
É disso que trata o meu cinema. Parto de histórias reais. Conto o que vivo, o que as pessoas vivem à minha volta. Clichy e Montfermeil são um pouco o nosso estúdio de cinema. Rodámos lá todos os nossos filmes e ainda hoje o contínuo a fazer.
A personagem principal é Haby. Uma jovem que descobre o plano de reabilitação urbana do novo presidente da Câmara. Um plano que prevê a demolição do edifício onde cresceu e vive a família. Vai tentar a todo custo impedir essa demolição do prédio, o Edifício 5.
Após centrar “Os Miseráveis” em personagens masculinas, Ladj Ly escolheu uma mulher como a personagem princiapal de “Os Indesejáveis”:
Haby é uma ativista, representa à nova geração que começa a interessar-se pela política. Há muitas mulheres assim que lutam, que são militantes de uma causa, que querem mudar as coisas e é importante destacá-las. Aqui há uma verdadeira causa e ela vai até ao fim para a defender.
Ladj Ly recorda-se da presença portuguesa no bairro onde nasceu, nos arredores de Paris:
Havia muitos portugueses em Montfermeil. Na história da imigração, são dos primeiros imigrantes. Nos nossos bairros havia os italianos e os portugueses.
Depois houve a imigração do Magreb, da África, etc.
Por isso, nestes bairros convivemos com muitos portugueses. Depois acabaram por se ir embora. Compraram casas pequenas e foram-se embora.
O cineasta Ladj Ly lamenta que na Europa os extremistas estejam a conquistar terreno. Lamenta que a França se esteja a tornar num país racista:
Estamos a assistir à ascensão dos extremos em toda a Europa.
Atualmente, em França, a extrema-direita desempenha um papel importante. Hoje eu diria mesmo que a França é um país racista.
É isso que estamos também a tentar denunciar, porque é terrível pensar que o país dos direitos humanos, o país do iluminismo, está em vias de se radicalizar.
Isso é lamentável.
Entristece-nos dizer que os racistas estão em todo o lado. Temos a impressão de que, de um dia para o outro, eles saíram do covil e começaram a exprimir-se. Sempre existiram racistas, mas não se manifestavam. Agora temos a impressão de que a porta está aberta a todo o tipo de linguagem racista.
Em “Os Indesejáveis”, muitos dos atores secundários e figurantes são habitantes de Montfermeil, onde foram feitas as filmagens.
A atriz Anta Diaw, que interpreta Haby, já tinha trabalhado com Ladj Ly. O mesmo acontece com Alexis Manenti, que tem o papel de um médico-pediatra eleito presidente da Câmara:
Interpreto um pediatra de uma cidade nos subúrbios, mas numa das zonas mais ricas da cidade. É um conselheiro local que, de um dia para o outro, se vê promovido presidente da Câmara da cidade.
Ele tem ideias muito reacionárias, muito de direita, e pensa que quer limpar a cidade; por isso, quer ver-se livre de todas as pessoas que se metem no caminho. E as pessoas que se atravessam no seu caminho são os pobres.
Na verdade, é difícil gostar dele. Toma decisões radicais, é muito político e tem pouca empatia pelos outros.
O ator Alexis Manenti foi buscar referências ao meio político francês para interpretar a personagem:
Em França, há muitos políticos que inspiraram a personagem. Acho que as pessoas vão adivinhar um pouco quem poderão ser. Há algumas pistas. Pessoas de extrema-direita, pessoas de direita, mas há também pessoas que não estão necessariamente desse lado político e que atuam dessa forma. Há pessoas na chefia do estado que atuam da mesma forma.
Para Alexis Manenti, o presidente da Câmara que tem o plano de demolir o Edifício 5, representa aos políticos que não olham a meios para alcançar os objetivos e estão desligados da realidade das populações:
Hoje em dia há muitos políticos que estão desligados da realidade, que não sabem como vivem as pessoas. Políticos que tomam decisões com base em dossiês, mas que nem sequer se interessam pelas pessoas.
Só querem responder às diretivas dos partidos e gerem as pessoas, os seres humanos, como se fossem empresas. Mas os países não são empresas, são outra coisa.