25 Fev 2019 19:18
O ano da Netflix? Sim, é verdade: com os três Óscares de "Roma" (realização, filme estrangeiro e fotografia), a plataforma de streaming emerge como uma força viva de Hollywood, não apenas um fantasma da concorrência da Internet. O filme de Alfonso Cuarón consegue mesmo a proeza de ser um produto gerado por um novo sistema de financiamento & difusão, sem deixar de ser um exemplar trabalho individual e até confessional.
Em todo o caso, convém não reduzirmos os prémios atribuídos pela Academia de Hollywood a uma mera consagração do "virtual" contra o "clássico". Afinal de contas, o vencedor do Óscar de melhor filme — "Green Book", de Peter Farrelly — foi gerado no mais tradicional sistema de produção, com chancela da Universal Pictures, um dos estúdios lendários de Hollywood (fundado em 1912). Dito de outro: o studio system (ainda) não é uma miragem.
Eis três lições exemplares desta cerimónia que excedeu em simbolismo aquilo que lhe faltou no apelo espectacular:
* ESTÚDIOS — Entre os títulos mais premiados continua a existir um peso decisivo dos grandes estúdios: apesar de não ter sido o vencedor do prémio máximo, "Bohemian Rhapsody", da 20th Century Fox, foi recordista da noite, com quatro estatuetas douradas. Com três Óscares, além de "Green Book" e "Roma", surge ainda "Black Panther", com chancela Marvel, um dos emblemas de produção que passou a existir no universo Disney.
* MEXICANOS — Incomodando ou não o imaginário político protagonizado por Donald Trump, a vitória de Alfonso Cuarón como melhor realizador confirma, com inusitada exuberância, a continuada presença dos autores mexicanos na dinâmica artística da produção cinematográfica made in USA. Nos últimos seis anos, o Óscar dessa fundamental categoria foi para cineastas nascidos no México: Cuarón já tinha ganho com "Gravidade" (2013); Alejandro González Iñárritu venceu com "Birdman" (2014) e "The Revenant: O Renascido" (2015), o primeiro dos quais também consagrado como melhor filme; Damien Chazelle interrompeu esta sequência com "La La Land" (2016) e Guillermo del Toro venceu com "A Forma da Água" (2017).
* TELEVISÃO — Nos EUA, os primeiros índices de audiências parecem revelar uma subida de três ou quatro pontos percentuais em relação ao ano passado (o mais baixo de sempre). Seja como for, fosse ou não um reflexo da ausência de apresentador, a realização televisiva foi, de um modo geral, tão funcional quanto banal, renovando a necessidade de a Academia repensar o seu visual e, sobretudo, a narrativa dos seus espectáculos. Excepção foi a interpretação de "Shallow" (Óscar de melhor canção), por Lady Gaga e Bradley Cooper.