22 Mai 2019 12:45
Sharon Tate (1943-1969) é uma figura trágica do imaginário de Hollywood. Em poucos anos, impôs-se como imagem revivalista de um certo "glamour" da idade de ouro, de alguma maneira reinventado para a ligeireza festiva da sociedade americana dos anos 60.
A apoteose de tudo isso ficaria inscrita no admirável "Por Favor, Não me Morda o Pescoço" (1967), sátira aos clássicos filmes de vampiros, realizada por Roman Polanski, com quem se casou em 1968. Morreu aos 26 anos, a 9 de Agosto de 1969, assassinada por membros da ‘Família Manson’, uma seita extremamente violenta liderada por Charles Manson (1934-2017).
O novo filme de Quentin Tarantino, "Once Upon a Time… in Hollywood", é uma evocação dos tempos de Sharon Tate, desembocando, precisamente, na noite da sua morte. O mínimo que se pode dizer (e importa não dizer muito, tal como solicitado por um pedido oficial de Tarantino, lido na projecção de imprensa do filme em Cannes) é que estamos perante uma tocante evocação cinéfila, em que a precisão dos detalhes históricos não exclui, antes convoca, a vertigem e o maravilhamento da fábula — era uma vez…
Digamos, para simplificar, que entramos nesse momento de transição de Hollywood — em permanente cruzamento com a proliferação das ficções televisivas — através de duas singularíssimas personagens: Rick Dalton, estrela algo decadente de "westerns" do pequeno ecrã, e Cliff Booth, seu "duplo" nas cenas de acção e fiel amigo. Acontece que Dalton é vizinho da mansão do casal Polanski…
Tal como noutros títulos da filmografia de Tarantino (será inevitável citar "Pulp Fiction", Palma de Ouro de Cannes há exactamente 25 anos), viajamos pelo interior do filme como quem redescobre o património mitológico e iconográfico dos géneros clássicos, do "western" ao "thriller" — da evocação realista à mágica transfiguração permitida por imagens e sons (incluindo, claro, as canções da época).
Leonardo DiCaprio e Brad Pitt são admiráveis de rigor e ironia na interpretação de Dalton e Booth, respectivamente, enquanto Margot Robbie compõe uma maravilhosa Sharon Tate, dir-se-ia resgatada do inferno, celebrando a alegria paradisíaca de um tempo, afinal, paradoxalmente habitado por muitos fantasmas. "Once Upon a Time… in Hollywood" é um daqueles objectos capazes de nos fazer sentir que o cinema, sendo um espectáculo, é também o mais belo dos países tocados pelo gosto da liberdade.