19 Mai 2023 17:48
“Detesto ser influenciado”, declarou o realizador japonês Takeshi Kitano à AFP numa entrevista exclusiva esta semana, antes da partida para o Festival de Cinema de Cannes, onde o seu novo filme, “Kubi”, será exibido na terça-feira.
Situada no Japão do final do século XVI, a longa-metragem de Takeshi Kitano, desenrola-se no meio de um conflito entre senhores obcecados em cortar o pescoço (“kubi” em japonês) dos seus rivais.
E o polivalente de 76 anos (é também apresentador de televisão, pintor, escritor…) não aparecia na Croisette desde a estreia de “Outrage”, em 2010.
Mesmo não estando “Kubi” na competição oficial, estando incluído na secção paralela “Cannes Première”, o regresso de Kitano ao cinema promete ser um momento alto do festival.
Sentado no sofá do seu camarim, num estúdio do canal de televisão Asahi, em Tóquio, logo após a gravação de um programa político que apresenta há décadas, o cineasta prefere minimizar o acontecimento e os riscos.
“Há muito tempo que ando a tentar deixar a televisão e o cinema (…). Por isso, disse a mim próprio que este filme seria o último. Mas depois da rodagem, o filme foi bem recebido pelo elenco e pela equipa”, o que é “a melhor coisa para mim”, diz Kitano.
“Sem pressão”
“Não tenciono ter sucesso com os meus filmes nem ganhar dinheiro a partir de agora, por isso não me sinto afectado seja pelo que for” em Cannes. “Não sinto qualquer pressão”, diz.
Começou no final dos anos 80, quando já era famoso no Japão como humorista e apresentador de televisão com o pseudónimo “Beat” Takeshi, mas o seu percurso como realizador revelou um Kitano diferente, profundo, sensível e atormentado.
Tornou-se conhecido no estrangeiro com o filme “Sonatine” (1993) e ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza em 1997 com “Hana-bi”, uma variação do género tradicional japonês “yakuza eiga” (filmes de yakuza).
E em “Zatoichi” (2003), o seu maior sucesso comercial até à data, tirou o pó aos filmes de samurais, outro género clássico japonês.
“Kubi”, no qual Kitano também é protagonista, é o seu segundo filme de época e promete uma abordagem crua e pessoal de um acontecimento marcante na história do Japão, mas ainda envolto em mistério: o “incidente de Honno-ji” em 1582, uma conspiração que se revelou fatal para o mais poderoso senhor da guerra do arquipélago, Oda Nobunaga.
Produção de grande orçamento para os padrões japoneses (1,5 mil milhões de ienes, ou seja, mais de 10 milhões de euros), “Kubi” é também o filme mais caro de Kitano até à data.
“Queria experimentar algo em maior escala”, explica, admitindo que teria gostado de ter “três vezes mais” orçamento e extras.
Kitano escreveu a sinopse de “Kubi” há 30 anos, no início da sua carreira de realizador. Mas só quando escreveu e publicou um romance homónimo no Japão, em 2019, é que a máquina para a produção do filme foi posta em marcha.
Mas como apropriar-se de um género sublimado por Akira Kurosawa (1910-1998), o grande mestre de “Os Sete Samurais”, “Kagemusha” ou “Ran”, de quem Kitano é um fervoroso admirador?
“Tentei não ver as cenas de batalha dos filmes de Kurosawa para evitar ser influenciado por elas”, explica. “Detesto deixar-me influenciar. Lealdade, traição, códigos de honra japoneses: estes são temas caros a Kitano, que quis mostrar este período conturbado do Japão de uma forma muito mais negra, sangrenta e íntima do que nas habituais produções japonesas diluídas. “Só faço o que me apetece (…). Não me importo muito com o que os espectadores digam. ‘Este é o estilo de Takeshi'”, diz o realizador, que “não se preocupa com o que se passa no Japão”.
Mas como apropriar-se de um género sublimado por Akira Kurosawa (1910-1998), o grande mestre japonês de “Os Sete Samurais”, “Kagemusha” ou “Ran”, de quem Kitano é um fervoroso admirador?
“Tentei não ver as cenas de batalha dos filmes de Kurosawa para evitar ser influenciado por elas”, explica. “Detesto deixar-me influenciar.
Lealdade, traição, códigos de honra japoneses: estes são temas caros a Kitano, que quis mostrar este período conturbado do Japão de uma forma muito mais negra, sangrenta e íntima do que nas habituais produções japonesas diluídas.
“Só faço o que me apetece (…). Não me importo muito que os espectadores digam ‘Este é o estilo de Takeshi'”, diz o realizador, que “não se preocupa nada” com o seu estatuto de lenda do cinema.
“Ficaria muito feliz se uma obra que filmei com desprendimento voltasse a ser bem recebida, mas isso não significa que vá tentar agradar”, diz este eterno libertário.