18 Mai 2018 1:18
Em 2015, da última vez que o italiano Matteo Garrone esteve presente na competição de Cannes, o saldo foi estranhamente paradoxal: "O Conto dos Contos" apresentava-se como um dos seus trabalhos mais ambiciosos, mas também um dos menos consistentes. Agora, reencontramo-lo em grande forma com "Dogman".
Estamos de regresso a ambientes de uma Itália pouco fotogénica, pobre e esquecida, onde ocorrem dramas convulsivos que se transfiguram em verdadeiras tragédias. Neste caso, o pólo central é Marcello (Marcello Fonte), um solitário tratador de cães — separou-se da mulher e, em encontros de especial luminosidade, vai convivendo com a filha — que habita um lugar assombrado por muita violência latente.
Há no cinema de Garrone uma dimensão visceralmente física que passa pelos elementos cenográficos e os corpos dos actores. Tal dimensão é decisiva em "Dogman", uma vez que, a certa altura, a história de vida de Marcello se transfigura numa odisseia de sobrevivência — o realismo não exclui, antes integra, a sedução de uma parábola existencial.
Gerindo de forma delicada o tempo de cada situação, sabendo encenar o espaço como uma cruzamento de naturalidade e inquietação, "Dogman" perfila-se como um sério candidato a algum dos prémios principais. Se tal acontecer, será a terceira vez em que Cannes distingue Garrone, uma vez que ele já arrebatou duas vezes o Grande Prémio (nº 2 na hierarquia do palmarés), com "Gomorra" (2008) e "Reality" (2012).