01 Set 2024
O cinema é “um instrumento contra o esquecimento”, afirmou domingo o realizador brasileiro Walter Salles no Festival de Veneza, onde concorre com “Ainda Estou Aqui”, baseado na história verídica de um ex-deputado desaparecido durante a ditadura militar.
O realizador de “Central do Brasil”, que ganhou o Urso de Ouro em Berlim em 1998, e de “Diários de Che Guevara”, regressa ao grande ecrã com este filme, após uma década de ausência.
“O cinema é um excelente instrumento contra o esquecimento. A literatura é também um excelente instrumento contra o esquecimento”, sublinhou o realizador de 68 anos numa conferência de imprensa.
O filme conta a história da luta de uma mulher, Eunice Paiva, para descobrir a verdade sobre o destino do marido, um ex-deputado de esquerda, após este ter sido raptado pela polícia da ditadura em 1971. Ele nunca mais voltou, e ela precisou de décadas de luta para obter a confirmação da sua morte.
A protagonista é a conhecida atriz brasileira Fernanda Torres, prémio de interpretação feminina em Cannes em 1986 pelo seu papel em “Eu Sei Que Vou Te Amar”, de Arnaldo Jabor.
A história desta viúva, mãe de cinco filhos, e a sua reinvenção como advogada defensora dos direitos dos povos indígenas foi objeto de um livro escrito pelo filho, que serviu de base para o argumento.
“Apaixonei-me por esta mulher, conhecia-a (…) O que me tocou realmente no livro foi a história extraordinária de uma família que sofre um ato de violência e de uma mulher que se reconstrói no meio de tudo isto”, explicou o cineasta de 68 anos.
“O que me interessa no cinema é quando a viagem das personagens se entrelaça com a viagem de um país”, disse. “A história de Eunice está entrelaçada com a história do Brasil durante os anos horríveis da ditadura que durou 21 anos” (1964-1985).
A gestação do filme ocorreu antes e durante o retorno ao poder da extrema-direita na pessoa do presidente Jair Bolsonaro (2019-2023), um ex-militar saudoso da ditadura.
“Quando começámos a fazer o filme, o país ainda não tinha mudado para um governo de extrema-direita (…) mas havia ecos do que estava a acontecer na América e em todo o lado”, explicou.
“Nunca pensei que a minha geração fosse assistir ao regresso da extrema-direita”, lamenta.
“Houve uma convergência entre a nossa realidade política e a história que estávamos a contar. De certa forma, tive a impressão de que o filme já não era sobre os anos 70, mas sim sobre o que estava a acontecer” no presente.