07 Nov 2024
A figura central de “O Sucessor” é um criador de moda. O filme é mais do que um thriller psicológico. Depois de ‘’Custódia Partilhada’’, um filme sobre a violência doméstica, com o qual Xavier Legrand conquistou cinco Césars e o Leão de Prata de Melhor Realização em Veneza, o cineasta francês continua a falar de violência. Agora, aborda o tema do patriarcado:
‘’O Sucessor’’ é uma espécie de continuidade do meu primeiro filme. Em ‘’Custódia Partilhada’’ fala-se da violência contra as mulheres, da violência doméstica, do patriarcado que esmaga as mulheres e as crianças. Quis continuar nesse caminho porque esquecemos que o patriarcado, também, esmaga os homens. De facto, falamos de violência contra as mulheres, mas nesta expressão, falta-nos o ator principal do problema, que é o homem. Trata-se de como a violência dos homens esmaga os homens. E, em particular, como, de facto, esta dominação masculina, esta violência, é transmitida por aquilo a que chamo o conservatório da virilidade. Um homem tem de ser poderoso, forte, corajoso, um homem não pode mostrar demasiadas emoções. A nossa cultura é construída sobre isso.
O filme não trata diretamente sobre este assunto, mas a situação em que Elias, a personagem principal, se encontra permite-nos colocar estas questões. Este homem é obrigado a gerir um passado. De facto, ele quer gerir o incontrolável.
“O Sucessor”’ centra-se em Elias, o diretor artístico de uma célebre casa de alta costura em Paris, obrigado a ir ao Canadá, ao funeral do pai, que não via há vários anos e com quem não tinha um bom relacionamento. E nada o preparou para o que encontrou.
A personagem vai confrontar-se com o passado e descer às profundezas do horror. A escolha da profissão de estilista de moda para o protagonista permitiu ao realizador tornar a queda mais vertiginosa.
Para esta tragédia, Xavier Legrand inspirou-se nas premissas das tragédias gregas:
É um filme baseado num drama trágico, no sentido grego da palavra. Podemos pensar em Édipo ou em Hamlet. São figuras quase irreais, da realeza, com um estatuto elevado.
Para encontrar o equivalente, Elias, o protagonista, tinha de ser levado ao topo, porque estamos a assistir a uma queda vertiginosa, tinha que cair do vigésimo andar e não apenas do segundo andar. Porque, simbolicamente, afastamo-nos da elegância, da beleza e do elitismo da moda para irmos até ao mais fundo, ao mais escuro, ir mais longe na monstruosidade e na escuridão. E, simbolicamente, também, porque se trata de mulheres e de corpos.
Elias é um homem que conhece e respeita as mulheres. Os corpos das mulheres são o seu trabalho. Mas aqui ele vai encontrar-se com o corpo de uma mulher noutro contexto e não vai conseguir gerir essa situação.
”O Sucessor” é um filme com vários géneros: é um conto negro, uma parábola trágica, um thriller psicológico. Xavier Legrand mistura géneros cinematográficos, tal como a vida que, também, não é sempre igual:
Isso já acontecia, em certa medida, no meu primeiro filme. Pode dizer-se que é um filme jurídico, um filme de família, um drama conjugal e depois um thriller, quase um filme de terror, no final.
Aqui é o mesmo, é um pouco híbrido, na medida em que se vê de facto uma espécie de thriller, mas penso que é também um conto negro, mas muito negro, quase a tocar a tragédia moderna. E isso é algo que está a começar a surgir em França.
Os novos cineastas ousam misturar géneros, o que não faz necessariamente parte da nossa cultura francesa, pelo menos no cinema. Gostamos que um drama seja um drama, que uma comédia seja uma comédia.
O cinema coreano, por exemplo, é exatamente o contrário, só existe porque mistura géneros. Eu gosto de poder abordar muitos géneros diferentes. E é, também, orgânico, pois a vida é uma mistura de géneros.
A cada instante o público é surpreendido com as mudanças inesperadas da narrativa. Xavier Legrand enquanto espetador gosta de ser arrastado para um turbilhão de emoções:
No filme há uma espécie de investigação. Gosto do facto de, como espetador, partir de pistas que depois se percebe que não vão dar em nada. Gosto de um filme que nos permita estar ativos, de ficar envolvido. De facto, todo o drama se baseia na surpresa e neste filme, diria mesmo, baseia-se na surpresa desagradável.
Grande parte da rodagem foi no Canadá. A escolha foi evidente para o realizador que queria um local onde se falasse francês e, ao mesmo tempo onde pudesse levar a personagem para um espaço afastado do país onde vivia para que se sentisse isolado e sozinho:
Queria muito que a personagem Elias tivesse ultrapassado o seu passado, mas, também, que estivesse geograficamente longe. Por razões práticas, queria manter a língua francesa, porque o meu inglês não é suficientemente bom para escrever e dirigir um ator em inglês. Também não podia ser na Bélgica, ou na Suíça, por exemplo, porque são países demasiado próximos.
Como tal, o Quebeque surgiu muito rapidamente. E, também, é interessante porque são uns primos próximos, em termos culturais, falamos a mesma língua e lemos os mesmos autores.
Por outro lado, têm uma cultura norte-americana. O que foi interessante para a personagem Elias até ter mudado um pouco a sua cultura e o estilo de vida. O filme mostra muito poucas paisagens bonitas do país, não era intenção fazer uma abordagem de postal ilustrado. Vemos uma floresta do Quebeque, mas vemo-la à noite, no escuro, e não conseguimos ver nada. Há, também, neve, mas o filme desenrola-se nos arredores da cidade.
”O Sucessor” ultrapassa os limites da natureza humana, é um conto negro, uma espiral de emoções. Estreia esta semana nas salas de cinema portuguesas.