6 Out 2017 10:59
Há outra maneira de dizer isto: a ficção científica, mesmo na sua vocação mais “futurista”, está longe de ser um mero relatório técnico de possibilidades, funcionando antes como um sistema de variações dramáticas e simbólicas que, de alguma maneira, remete para o nosso presente. Assim é “Blade Runner 2049”, uma vez mais questionando-nos sobre as fronteiras do humano.
Mesmo evitando dar informações sobre as surpresas que a acção envolve, vale a pena referir o essencial. A saber: no centro dos acontecimentos, voltamos a encontrar um “blade runner”, isto é, um polícia empenhado em encontrar e reformar os replicantes, movendo-se numa área cinzenta em que nem sempre é fácil distinguir onde acaba a defesa do género humano e começam os duvidosos interesses das grandes corporações.
Mais do que isso: o novo “blade runner”, interpretado por Ryan Gosling, vai encontrar Rick Deckard, personagem central do filme de 1982, de novo assumida por Harrison Ford. Dir-se-ia que Deckard esperou 35 anos por este futuro que, afinal, como num espelho, reflecte de forma trágica os tempos em que decorria a acção do primeiro filme — esta é uma saga sobre a contínua fragilização do factor humano.
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Daí que o filme de Denis Villeneuve se demarque das convenções correntes da ficção científica e, escusado será dizê-lo, da retórica cansada e monótona dos super-heróis da Marvel & afins. Fiel à lógica do primeiro filme, “Blade Runner 2049” sabe criar um mundo assombrado em que, dos gadgets técnicos até às relações sexuais, tudo parece depender da crescente formatação dos comportamentos humanos — a ponto de se antever uma revolta dos “replicantes”…
Através de uma sofisticada construção narrativa, respeitadora do tempo da cada gesto e acção, este é um filme em que o futurismo dos cenários — admiravelmente fotografados pelo grande
Roger Deakins — se impõe através de uma ambígua proximidade com o nosso próprio presente. “Blade Runner 2049” consegue tal efeito através de um olhar em que a dimensão trágica se expõe através de um elaborado pendor contemplativo. É essa, talvez, a proeza mais radical da ficção científica: fazer-nos sentir que está tudo a acontecer aqui e agora.