crítica
A arte de (não) contar histórias
Mais de vinte anos passados sobre o início da trilogia "Matrix", porquê (e para quê) fazer um quarto episódio da saga? Os resultados medíocres de "Matrix Ressurrections" são sintomáticos da falta de motivação do projecto.

joao lopes
25 Dez 2021 22:30
Ressurreição? Assim é a proposta contida no título no novo "Matrix", quarto episódio da saga de Neo (Keanu Reeves) e Trinity (Carrie-Anne Moss). Dir-se-ia que a realizadora, Lana Wachowski, e o próprio estúdio produtor, Warner Bros., tinham a noção de que a "franchise" esgotara as suas potencialidades e só mesmo uma ressurreição poderia, literalmente, dar nova vida a um projecto cuja convicção artística fica por esclarecer.
De facto, descobrimos "Matrix Ressurrections" e o que encontramos vai-se esgotando na repetição de situações, efeitos visuais e especulações filosóficas (cada vez mais inanes) que provêm em linha directa dos três filmes anteriores (estreados entre 1999 e 2003). É pena, já que o primeiro "Matrix", claramente superior aos que se seguiram, correspondeu a uma espécie de síntese pop do novo imaginário gerado pelos computadores: vivemos numa realidade autónoma ou num simulacro gerado e gerido por máquinas?
Convenhamos que o novo filme tem consciência das suas limitações, a ponto de tentar "naturalizá-las" através de um inesperado humor. Assim, Neo (aliás, Thomas Anderson) surge como criador de videojogos, num ambiente em que se discute alegremente a possibilidade de inventar qualquer coisa que prolongue a trilogia dos jogos Matrix… Há mesmo uma personagem que, numa reunião de trabalho, lembra que a Warner Bros. (sic) insistiu no projecto de uma quarta parte…
Deste jogo de espelhos carente de imaginação pouco mais resta do que a monotonia de um ziguezague mais ou menos previsível: uma cena de diálogo "profundo", depois uma cena de pancadaria… e por aí fora. O território global do nosso consumo inventou este modelo de trabalho (?) cinematográfico — dir-se-ia que quanto maiores são os gastos investidos na produção menor é o número de ideias de cinema. Contar histórias? Eis uma arte a passar um mau bocado.