Grégory Gadebois e Céline Sallette: protagonistas de uma das mais belas estreias deste Verão


joao lopes
27 Jun 2014 20:14

Para além das muitas convulsões estéticas e económicas, o cinema francês possui, de facto, uma tradição — plural e contraditória, geradora de uma memória que continua a ecoar em muitas produções contemporâneas. "Minha Alma por Ti Liberta", de François Dupeyron, é uma prova muito real dessa persistência de uma linha tradicional, neste caso melodramática, que vai de Jean Renoir a André Téchiné, passando por Max Ophüls, François Truffaut ou Maurice Pialat.

Que está em jogo, então? Uma proximidade com os corpos e os desejos que, ao contrário do que diz o senso comum, envolve uma percepção muito subtil da condição social de cada personagem. Estamos, assim, perante a história de Frédi (Grégory Gadebois), um homem que acredita ter herdado da mãe dons de curandeiro, vivendo numa errância física e sentimental aparentemente sem solução (sendo a sua moto uma espécie de símbolo mecânico de uma instabilidade muito física, dir-se-ia fisiológica).
Com uma espantosa atenção aos detalhes de comportamento, aos gestos mais discretos e subtis, descobrimos Frédi como um marginal dos próprios afectos. O filme possui, aliás, um certo gosto de deambulação que parece conferir-lhe a dimensão de uma "reportagem" sobre um pequeno colectivo de seres a tentar encontrar um lugar para viver — em sentido físico e, sobretudo, emocional —, sendo o encontro de Frédi com Nina (Céline Sallette) uma quase revelação no interior dessa dinâmica.
Temos, assim, a possibilidade de reencontrar o labor de Dupeyron, um cineasta francês que merecia outra atenção. Ele é, aliás, autor de um filme fulgurante — "Drôle d’Endroit pour une Rencontre" (1988), com Catherine Deneuve e Gérard Depardieu —, sua primeira longa-metragem e, por certo, um modelo das atribulações romanescas que ele sabe percorrer e iluminar. Enfim, na "confusão" de marketing do Verão cinematográfico, "Minha Alma por Ti Liberta" é uma belíssima excepção, resistindo à monotonia da regra.

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