joao lopes
21 Mar 2018 22:32
O chamado "filme de guerra" é, por certo, um dos géneros mais universais da história do cinema. Dito de forma muito básica: as convulsões de uma qualquer situação de guerra envolvem factores humanos (e desumanos) a que, de uma maneira ou de outra, todos somos sensíveis. E escusado será lembrar que, nesse universalismo, a Segunda Guerra Mundial constitui uma referência nuclear.
Curiosamente, ao longo dos últimos anos, têm surgido diversos títulos, em particular da produção europeia, empenhados em (re)encenar personagens e situações do segundo conflito mundial. Como? Repensando e, de alguma maneira, superando as matrizes clássicas do género — "O Filho de Saul" (2015), do húngaro Lázló Nemes, pode servir de exemplo modelar, tal como agora "O Capitão", uma realização do alemão Robert Schwentke baseada em acontecimentos verídicos.
A sinopse é tão simples quanto desconcertante. No seu centro está a figura de Willi Herold (Max Hubacher), soldado alemão já sem a protecção das armas, à deriva nos tempos finais do conflito, quanto a derrota de Hitler já se apresentava como irreversível. Ao descobrir acidentalmente uma farda de capitão, decide envergá-la, como tal adquirindo um súbito poder sobre os soldados com que se cruza e a população em geral…
Aquilo que interessa Schwentke está para além do óbvio. Dito de outro modo: a farda/máscara de Herold actua sobre a vontade dos outros, mas também sobre a sua própria identidade — de figurante errático de uma tragédia, vai transformar-se em seu protagonista, assumindo os traços e os comportamentos de um pequeno ditador, frio, mecânico e implacável.
"O Capitão" consegue, assim, a proeza de expor uma situação de guerra como uma paisagem de reconfiguração das consciências, a ponto de a guerra das armas surgir contaminada pela mais perversa guerra dos símbolos. Este é um filme, afinal, para nos ajudar a repensar a ditadura nazi como um espaço/tempo de manipulação dos indivíduos — a começar pelo guarda-roupa.