Andrew Garfield no papel de Desmond Doss — memórias dos combates de Okinawa


joao lopes
12 Nov 2016 17:35

O mínimo que se pode dizer do novo filme realizado por Mel Gibson, "O Herói de Hacksaw Ridge", é que lida com uma personagem fascinante: Desmond Doss (1919-2016) foi um objector de consciência que, em qualquer caso, esteve presente nos cenários de combates da Segunda Guerra Mundial, em Okinawa, servindo de forma excepcional como elemento das equipas médicas — tornou-se mesmo o primeiro objector de consciência a receber uma Medalha de Honra dos EUA.

Tal como encenada por Gibson, a história de Doss envolve uma dupla faceta: primeiro, uma dramática aprendizagem das convulsões das relações humanas (em particular quando, ainda criança, quase mata acidentalmente o seu irmão); depois, o confronto com a brutalidade da guerra, recusando empunhar uma arma, mas servindo de forma abnegada na assistência médica aos soldados do seu batalhão.
Retomando uma matriz de encenação que já marcara o seu anterior "A Paixão de Cristo" (2004), Gibson filma a guerra como uma pletora de efeitos físicos, em particular na amostragem dos corpos dilacerados pelas balas, que, a certa altura, perde qualquer motivação dramática — trata-se de reduzir o sangue e as vísceras a material "espectacular" que se basta a si mesmo (muito longe da complexidade narrativa de "O Resgate do Soldado Ryan", realizado por Steven Spielberg em 1998, filme que suscita inevitáveis paralelismos).
Mas onde o filme mais limita os seus resultados é na construção determinista da própria personagem. Em particular as cenas de infância e adolescência são encenadas como uma explicação "psicológica" que, pelo simplismo dos seus elementos, se aproxima da retórica de um banal "bio-filme" televisivo.
É pena que tudo isto reduza a odisseia de Doss a uma espécie de demonstração moralista que parece estar decidida antes mesmo de conhecermos os seus detalhes. E é pena, tanto mais que encontramos no papel de Doss um actor tão atentoso como Andrew Garfield. Diz-se, em qualquer caso, que este vai ser um ano decisivo na consolidação da sua carreira em Hollywood, até porque o veremos também no novo Scorsese, "O Silêncio", sobre as provações de padres jesuítas portugueses no Japão do século XVII.

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