Mia Wasikowska no papel de Emma Bovary: um filme fiel ao texto de Gustave Flaubert


joao lopes
26 Jun 2015 3:59

Digamos que não haveria nada de óbvio na decisão de, em 2015, adaptar de novo ao cinema o romance "Madame Bovary", de Gustave Flaubert, publicado em 1856. Quanto mais não seja porque a sua crueza — Emma Bovary é, afinal, uma personagem eminentemente trágica — está longe de corresponder às atribulações de uma era como a nossa, fascinada pelas proezas do digital e pelas aventuras e desventuras de super-heróis mais ou menos infantis.

O menos que se pode dizer do filme de Sophie Barthes é que resiste a qualquer ilusão "modernista", preferindo manter uma proximidade com o texto de Flaubert que se enraiza, não na banal acumulação das mesmas "peripécias", antes na preservação do seu essencial movimento: esta é, afinal, a história de uma mulher ao mesmo tempo deslumbrada e punida pelas ilusões inerentes ao seu estatuto conjugal e social. Ou seja: uma personagem que, mesmo inconscientemente, expõem a crueldade do sistema de relações em que está inserida.



E não deixa de haver alguma ironia (cinéfila, sem dúvida) no facto de esta "Madame Bovary" ser protagonizada pela brilhante Mia Wasikowska. De facto, de uma maneira ou de outra, ela possui uma imagem de marca que se confunde com o seu protagonismo em "Alice no País das Maravilhas" (2010), de Tim Burton — dir-se-ia que Sophie Barthes soube integrar a desarmada inocência que se liga a essa imagem num retrato que envolve, afinal, a experiência visceral da metódica frieza do mundo adulto.

É pena que o mercado cinematográfico não tenha a agilidade (ou apenas os recursos) para acompanhar a estreia da nova "Madame Bovary" pela reposição de algumas das anteriores adaptações do romance de Flaubert. As versões assinadas por Jean Renoir (1934), Vincente Minnelli (1949) ou Claude Chabrol (1991) proporcionariam, por certo, um confronto pleno de sugestões. Digamos também, para simplificar, que a herança da escrita de Flaubert nos ensina a (re)valorizar a íntima complexidade do factor humano.

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