crítica
A palavra e o sexo segundo Brisseau
Sem ceder a modas, Jean-Claude Brisseau continua fiel a um cinema atravessado pelos temas sexuais, seus dramas e ironias — "Que o Diabo Nos Carregue" é mais um exemplo da sua singularidade na paisagem da produção francesa.
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joao lopes
16 Mar 2018 23:10
O veterano francês Jean-Claude Brisseau pratica um cinema muitas vezes reconhecido (e polemizado…) apenas por causa das suas componentes sexuais. É verdade que a sexualidade das suas personagens, sobretudo as femininas, impõe-se sempre como tema nuclear. Mas não é menos verdade que a sua "figuração" (mais ou menos paródica, convém referir) envolve sempre a sensualidade da palavra.
O mais recente filme de Brisseau, "Que o Diabo Nos Carregue", aí está como sugestivo exemplo das suas acrobacias narrativas, colocando em cena três mulheres — interpretadas por Fabienne Babe, Isabelle Prim e Anne Sigalevitch — marcadas por experiências sexuais que oscilam entre o desencanto romântico e o mais profundo trauma psicológico.
Apetece dizer que estamos perante uma genuína comédia sexual, mesmo se a aparente ligeireza de situações não exclui a emergência de factores de clara perturbação. No fundo, Brisseau gosta de brincar com as expectativas do espectador, surpreendendo-o quase sempre de forma desconcertante.
Podemos, assim, aproximar "Que o Diabo Nos Carregue" de um certo modelo de conto moral que atravessa a história do cinema francês — lembram-se dos "Seis Contos Morais", de Eric Rohmer, com destaque para o genial "A Minha Noite em Casa de Maud" (1969)? O cinema apresenta-se, aqui, como um exercício de desmontagem das aparências, alimentando uma bela ilusão: a de, através da fala, podermos dizer todas as contradições dos nossos desejos.