1 Nov 2019 23:26
A palavra é desagradável: desperdício. Mas é difícil não a convocar para dar conta da mais recente evolução/involução da obra do canadiano Xavier Dolan. Depois do extenuante "overacting" de "Tão Só o Fim do Mundo" (2016), chega-nos agora "A Minha Vida com John F. Donovan", um filme que tenta compensar (?) a sua inverosimilhança dramática através de uma narrativa de tempos cruzados que, a certa altura, apenas consegue exibir uma equívoca agilidade e aceleração.
A história do pequeno Rupert possui qualquer coisa de conto de fadas inscrito nas convulsões do mundo real. Tendo conseguido manter uma correspondência regular com John F. Donovan, uma estrela de cinema e televisão, as suas cartas adquirem um inesperado valor simbólico depois da morte do actor — já adulto, também actor, Rupert é abordado por uma jornalista para revisitar as suas memórias. Daí o ambíguo ziguezague que, em boa verdade, o título português anula — no original, o filme refere-se à "morte e vida" de John ["The Death and Life of John F. Donovan"].
Infelizmente, Dolan parece não saber muito bem o que fazer com o seu labirinto de peripécias e cenas. Haverá aqui um significativo investimento auto-biográfico, ainda que filtrado e pudico (à semelhança do quer acontecia em títulos anteriores muito mais interessantes, incluindo o confessional "Mamã", lançado em 2014); o certo é que as personagens se vão desagregando entre o esquematismo emocional e uma vaga sugestão metafórica.