Rooney Mara filmada por Terrence Malick — a música, canção a canção


joao lopes
12 Mai 2017 1:45

Afinal, "Música a Música", o novo filme de Terrence Malick, é sobre música ou o impasse de muitas relações amorosas? Um quase-documentário sobre o festival South by Southwest (Austin, Texas) ou um exercício filosófico sobre as fronteiras da identidade humana?

Digamos que a resposta mais sensata será: é um pouco de tudo isso, numa prodigiosa teia de acontecimentos intensos e microscópicos, capaz de convocar o espectador para (mais) uma singularíssima experiência do facto cinematográfico. Em todo o caso, apetece acrescentar que tudo isso, realmente, se diz por música.
Mas não descartemos o sabor da metáfora musical. E tanto mais que ela está no título original "Song to Song" (tendo-se perdido a oportunidade de, muito simplesmente, lhe chamar, entre nós, Canção a Canção). Tudo acontece, afinal, como se os destinos humanos se definissem a partir da coabitação de canções íntimas, enigmáticas, porventura indecifráveis.
Malick consegue a admirável proeza de estruturar o seu filme como um puzzle descarnado, potencialmente infinito, das vidas das suas personagens principais — interpretadas pelos incríveis Michael Fassbender, Rooney Mara, Ryan Gosling e Natalie Portman —, ao mesmo tempo preservando uma desconcertante e envolvente dimensão documental. Como se assistíssemos ao nascimento da vida, instante a instante.
A extrema fragmentação da montagem não é um preciosismo formalista, além de que nada tem a ver com a "aceleração" pueril de muitos filmes de super-heróis que nem nos dão tempo para ver o que quer que seja. Trata-se antes de revalorizar o plano — entenda-se: cada fragmento contínuo dessa mesma montagem — como unidade mágica em que podemos contemplar as convulsões emocionais destas personagens.
Porque, repare-se, de forma explícita ou apenas pressentida, cada ser humano surge, aqui, como um nómada no interior do seu próprio destino. No limite, o seu ponto de fuga é uma redenção que, em boa verdade, ninguém sabe descrever, talvez apenas sugerir pelas insubstituíveis matérias musicais. Como diz Patti Smith (interpretando Patti Smith): é possível ficar eternamente no mesmo acorde de guitarra e ouvir sempre coisas diferentes…
"Song to Song" constitui uma espécie de capítulo final (ou talvez não…) de um processo criativo iniciado com "A Árvore da Vida" (2011), metodicamente prolongando através de "A Essência do Amor" (2012) e "Cavaleiro de Copas" (2015). O cinema reinventa-se como máquina do tempo humano, atravessando todos os parâmetros do visível, pressentindo o invisível — é bom quando alguém nos recorda que ainda podemos olhar e, olhando, rejeitar os clichés do mundo à nossa volta.

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