joao lopes
25 Jun 2015 3:00
É bem verdade: a obra de Ingmar Bergman (1918-2007) não pode ser separada da perturbação trágica que atravessa a sua filmografia, fazendo dele um dos mais admiráveis retratistas das zonas mais obscuras da condição humana. Ao mesmo tempo, como esquecer que o autor de "O Silêncio" (1963) ou "Persona" (1966) foi também um brilhante explorador das atribulações da comédia, nomeadamente num delicioso filme de 1964, "A Força do Sexo Fraco"?.
Pois bem, esse é um dos seis títulos de Bergman que, agora, regressam ao mercado português, numa iniciativa da Leopardo Filmes — trata-se de um prolongamento das reposições de 17 filmes do mesmo cineasta ocorridas em 2014 (entretanto, já disponíveis no mercado do DVD). As suas exibições iniciam-se hoje, 25 de Junho, em Lisboa (Espaço Nimas); a partir de 2 de Julho, os filmes estão programados para o Porto (Teatro Municipal Campo Alegre).
Dizer que Bergman pertence a este ou àquele género cinematográfico será sempre redutor e, em última análise, incorrecto. Nesse aspecto, os seis filmes agora programados são tanto mais reveladores quando correspondem a um período (1950-1975) em que podemos assistir a uma rigorosa maturação dos seus temas e também da arquitectura formal das suas narrativas. São eles:
* RUMO À FELICIDADE (1950): um delicado melodrama centrado num casal de músicos que integram a mesma orquestra; no papel do maestro, encontramos Victor Sjöström, cineasta e mestre de Bergman que sete anos mais tarde seria o velho professor de "Morangos Silvestres".
* O ROSTO (1958): história quase burlesca, estranhamente dramática, de uma "troupe" de actores, em meados do séc. XIX, acusados de produzir espectáculos espiritistas; no elenco estão já alguns dos mais emblemáticos nomes da filmografia "bergmaniana": Max von Sydow, Ingrid Thulin, Erland Josephson e Bibi Andersson.
* A FONTE DA VIRGEM (1960): metódica desmontagem de uma história de violação na Idade Média, encenada através de um paradoxal cruzamento de realismo e lirismo, foi um título decisivo na projecção internacional de Bergman — valeu-lhe o primeiro de três Oscars na categoria de melhor filme estrangeiro.
* LUZ DE INVERNO (1963): pode ser considerado o primeiro de um leque de dramas existenciais que desembocariam em "A Hora do Lobo" e "A Vergonha" (ambos de 1968); no centro da acção está a complexa figura de um padre, interpretado por Gunnar Björntrand, que duvida da sua própria fé.
* A FORÇA DO SEXO FRACO (1964): crónica sarcástica da convivência de um crítico musical com um lendário violoncelista, sempre rodeado pelas suas musas — irresistível comédia sobre a arte e suas ambivalências, este foi também o primeiro título de Bergman rodado com película a cores.
* A FLAUTA MÁGICA (1975): a ópera de Mozart surge recriada a partir do palco de um maravilhoso teatro de Estocolmo, num registo que se demarca, afinal, das convenções do "filme-ópera" da época; curiosamente, embora tenha passado nas salas de cinema, foi na origem um telefilme.