joao lopes
1 Jul 2018 2:20
O título do novo filme de Gus van Sant — "Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé" — provém de uma legenda de um cartoon desenhado pela personagem central, John Callahan. Ele foi, de facto, uma figura verídica (faleceu em 2010, contava 59 anos) que, não poucas vezes, usou os seus desenhos para fazer humor sobre a sua própria condição de paraplégico. Ou seja: alguém que… "não irá longe a pé".
Há vários momentos de um humor muito amargo na história de Callahan. Entenda-se: não é um humor que resulte do olhar de van Sant, antes um elemento, de calculada irrisão, que pertence ao próprio universo da personagem central.
Dito de outro modo: depois do acidente que alterou de forma irreversível as capacidades do seu corpo, Callahan foi alguém que arriscou enfrentar até às mais extremas consequências a génese do seu drama existencial. A saber: o alcoolismo. Em última instância, este é um conto moral sobre o assombramento da tragédia, a possibilidade de aceitar as suas consequências e a muito humana arte de superação individual.
Não estamos, assim, perante um filme de "revelação" linear. Aliás, bem pelo contrário: van Sant constrói a sua narrativa através de um sofisticado ziguezague temporal que, em vez de favorecer qualquer determinismo moralista, nos confronta com as singularidades de Callahan e do pequeno grupo de personagens que o acompanha.
Não admira, por isso, que "Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé" seja mais um exemplo brilhante do modo como a sensibilidade da mise en scène de van Sant envolve um subtil trabalho com os actores. Joaquin Phoenix assume a personagem de Callahan para além de qualquer miserabilismo piedoso, sendo também inevitável destacar a performance de Jonah Hill, na figura de um "guru" que ajuda o cartoonista a lidar com a sua dependência do álcool — sem esquecer as presenças de Rooney Mara e Jack Black. Em resumo: um filme americano de genuínas emoções, correndo o risco de ser devorado por um mercado dominado pelo imaginário dos "blockbusters"…