joao lopes
12 Abr 2014 2:03
O espaço televisivo impôs um conceito menor das chamadas "reconstituições" históricas — a história surgiria transcrita como coisa transparente e inquestionável sempre que se investe na ostentação de cenários e guarda-roupa ou, então, quando há violência física e sangue…
Como combater tal simplismo? Defendendo um realismo intransigente que não se fundamente em qualquer facilidade naturalista? Sim, sem dúvida. Mas lembrando também que o realismo — aliás, os realismos (nada disto é unívoco) — não são uma linguagem obrigatória para lidar com as memórias históricas.
Há uma belíssima lição sobre tudo isto no mais recente filme de Wes Anderson, "Grand Budapest Hotel". Aqui está, de facto, um filme de exuberante e feliz artifício, aliás retomando o look peculiar de vários títulos do realizador, de "Os Tenenbaums" (2001) a "Moonrise Kingdom" (2012): a evocação de um esplendoroso hotel, algures na Europa entre as duas guerras do séc. XX, faz-se através de uma espécie de hiper-realismo sarcástico que Anderson transfigura em desencantada poesia.
Ao mesmo tempo, tal visão dos dias mais ou menos agitados do Grand Budapest envolve uma sensualidade metafórica de subtil actualidade. Dir-se-ia que Anderson procura os restos de um mundo tão vivido quanto imaginado em que a noção de utopia ainda possa fazer sentido — num certo sentido, ele proclama uma deliciosa máxima fora de moda: na nossa procura de uma identidade, todos podemos ser aristocratas.
Tal como o hotel que retrata, este é um objecto que superou qualquer moda, mesmo a da época que encena. Estamos perante uma arte serenamente fora de moda, vivendo e partilhando o cinema como uma experiência cúmplice dos elegentes mistérios do comportamento humano. Com Ralph Fiennes — no papel do memorável Gustave, porteiro do Grand Budapest — e, entre outros, Jude Law, Tilda Swinton, F. Murray Abraham, Adrien Brody e Willem Dafoe, este é também, afinal, um filme de amor pelo talento e singularidade dos actores.