Colin Farrell e Jessica Chastain: entre os desejos e a luta de classes


joao lopes
16 Jan 2015 23:33

Que bom que é reencontrar um classicismo cinematográfico que não se sente obrigado a fingir-se "moderno", por exemplo multiplicando os formalismos ou os exibicionismos técnicos. Assim acontece em "Miss Julie", adaptação da peça de August Strindberg dirigida por Liv Ullmann, uma das actrizes mais emblemáticas do universo de Ingmar Bergman.

Entre os filmes que já dirigiu, Ullman tem, aliás, um título escrito pelo próprio Bergman: "Infidelidade" (2000). E o menos que se pode dizer é que o autor de títulos como "A Máscara", "Cenas da Vida Conjugal" ou "Face a Face" (filmes em que ela participou) lhe transmitiu um gosto intransigente pelo labor dos actores. A sua regra de ouro poderá enunciar-se assim: toda a construção narrativa tem o actor, o seu corpo, a sua presença, como matéria primordial.
Não admira que encontremos, aqui, algumas representações fora de série. Porventura contra o seu próprio estereótipo, Collin Farrell surge na personagem do criado que, num misto de intenção e ilusão, se vê envolvido com Julie, a filha do seu patrão. Na personagem de Julie, Jessica Chastain tem uma daquelas composições que, por si só, bastam para definir uma actriz de rara sensibilidade e rigor — eis uma diálogo Ullmann/Chastain, no Festival de Toronto, registado pelo "Variety".

O texto de Strindberg (escrito em 1888) mobiliza uma tensão cujas ressonâncias sociais e simbólicas estão longe de se ter desvanecido. "Miss Julie" é, afinal, o palco da afirmação da crueza dos desejos face ao aparato de organização da lei e das diferenças de classes. No ziguezague entre uma coisa e outra, cada ser humano descobre-se num misto de energia e fragilidade — Liv Ullmann encena tudo isso a partir de uma crença muito real no texto teatral, crença que desemboca na singularidade formal e emocional do cinema.

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