joao lopes
4 Jan 2015 2:02
Não é fácil dar a entender o que acontece num filme como "Foxcatcher" — e, sobretudo, como acontece. Desde logo, porque é preciso preservar a margem de descoberta do espectador, evitando revelar-lhe as peripécias mais enigmáticas do próprio filme; depois, porque este é, realmente, um conto moral sobre um universo em que o carácter discreto daquilo que acontece oculta as convulsões dos bastidores.
Digamos, para simplificar, que estamos perante o retrato, inspirado em factos verídicos, de um insólito triângulo de homens: de um lado, Mark e Dave Schultz (interpretados, respectivamente, por Channing Tatum e Mark Ruffalo), atletas de luta livre que tentam manter viva a sua possibilidade de participarem nos Jogos Olímpicos; do outro, John Eleuthère du Pont (Steve Carrell), um multimilionário que lhes oferece os recursos da sua equipa (Foxcatcher) para que eles possam fazer a sua preparação.
Filme sobre o desporto? Sim, mas não de acordo com uma lógica… desportiva. Aquilo que o realizador Bennett Miller coloca em cena é menos um sistema de relações profissionais e mais um processo de construção/desconstrução de toda uma teia de cumplicidades humanas: através da sua pulsação secreta, quase como uma reportagem intimista, "Foxcatcher" coloca em cena a energia e também as ambivalências do desejo de sucesso made in USA.
Na sua elaborada e fascinante textura afectiva, "Foxcatcher" é a confirmação eloquente de Miller como observador da sedução e contradições do imaginário americano. Lembremos que ele já tinha assinado esse fascinante retrato do escritor Truman Capote que é "Capote" (2005) e também uma outra visão do universo do desporto (basebol) em "Moneyball" (2011). No limite, Miller filma personagens ultrapassadas pelo próprio sonho que perseguem — por vezes, encontrando o pesadelo.