Jennifer Lawrence e Javier Bardem: o que é, afinal, a Natureza?


joao lopes
21 Set 2017 19:58

Muito atacado por alguns sectores do público e da crítica dos EUA, o novo filme de Darren Aronofsky, "Mãe!" [ "mother!" ] aí está, por certo para nos confrontar e dividir. As convulsões que tem provocado levaram mesmo a Paramount, estúdio produtor e distribudor do filme, a publicar um comunicado assinado por Megan Colligan (presidente para o marketing): "Toda a gente  quer originalidade nos filmes, e toda a gente elogia a Netflix quando vem contar uma história que mais ninguém quer contar. Esta é a nossa versão [dessa questão]. Não pretendemos que todos os filmes sejam pacíficos. E se houver quem não gosta, tudo bem."

Tudo bem, de facto. Só mesmo por ingenuidade, ou militante cinismo, se pode promover a ideia de que viveríamos no melhor dos mundos se todos pensassem o mesmo sobre o(s) mesmo(s) filme(s). Aliás, tornou-se normal que esse salutar culto das diferenças seja mesmo reconhecido, celebrado e promovido nas análises do mundo do futebol — não será tempo de reconhecer também que o cinema tem os mesmos direitos mediáticos que o futebol?

Apetece dizer que a divisão de "Mãe!" começa no seu interior. Porquê? Porque este é um filme que convoca algumas regras e efeitos típicos de algum cinema de terror mas que, em última instância, pouco ou nada tem a ver com as tendência dominantes do género. A história do casal (Jennifer Lawrence e Javier Bardem) que vê a sua casa invadidada por estranhos (Ed Harris, Michelle Pfeiffer, etc.) que rapidamente passam da cordialidade às mais diversas formas de manipulação e agressão desafia qualquer percepção natural, ou naturalista, do que nos é apresentado.
Estamos, afinal, perante uma experiência de espectáculo que apela constantemente à parábola. O bebé que vai nascer à "mãe" que o título identifica (e que Lawrence interpreta com prodigiosa intensidade) é, de uma só vez, um prolongamento da Natureza e uma entidade visada pelas forças do Mal — se a referência cinéfila, pode ser sugestiva, digamos que Aronofsky actualiza para o século XXI o labirinto civilizacional que encontramos no clássico "A Semente do Diabo" (1968), de Roman Polanski.
Certamente não por acaso, todo o filme é construído a partir de um primoroso trabalho de câmara [direcção fotográfica: Matthew Libatique], obsessivamente concentrado no rosto de Lawrence — ela é, afinal, a primeira espectadora da decomposição do mundo e da derrota da verdade natural (que o bebé encarna até à mais extrema perturbação), esmagada pelas forças de um colectivismo maligno. O apocalipse é mesmo um tema do aqui e agora.
Tal como "O Exorcista" (1973), de William Friedkin, "Mãe!" é um filme que tende para uma dimensão onírica, embora nunca perdendo a sua inscrição num mundo que reconhecemos como contendo muitos sinais do nosso tempo. Talvez que, com o tempo, o trabalho de Aronofsky venha a adquirir o mesmo reconhecimento simbólico que hoje envolve a visão de Friedkin — não precisamos de dizer/pensar todos o mesmo, trata-se apenas de reconhecer que ainda há filmes que, além de se manterem estoicamente na nossa galáxia, mexem com a nossa relação com o mundo à nossa volta.

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