Elle Fanning face à câmara de Reed Morano: como viver depois do apocalipse?

crítica

Apocalipse e poesia

Subitamente, aí está um objecto de ficção científica capaz de escapar às normas dominantes das produções do género: realizado e fotografado por Reed Morano, "Agora Estamos Sozinhos" foi premiado em Sundance.

O triunfo da ficção científica como uma marca poderosa do marketing do cinema nas últimas décadas (desde "A Guerra das Estrelas", em 1977), faz-nos esquecer, muitas vezes, que, com filmes melhores ou piores, o género não pode ser reduzido aos padrões dos seus títulos comercialmente mais fortes. Em defesa da energia criativa do género, creio que importa reconhecer, uma vez mais, a sua diversidade interna.

Aí está "Agora Estamos Sozinhos" [título original: "I Think We’re Alone Now"] para nos relembrar, precisamente, que a ficção científica pode convocar matrizes narrativas muito diversas, não dependendo sequer dos grandes orçamentos que permitem encenar naves gigantescas e galáxias a explodir… Estamos mesmo perante um genuíno produto independente, aliás como tal estreado em Janeiro, no Festival de Sundance, onde arrebatou um Prémio Especial do Júri.

Não será indiferente que a realização pertença a uma profissional, Reed Morano, com grande experiência como directora de fotografia (acumulando aqui as duas funções). Isto porque se trata de criar uma ambiência apocalíptica a partir de meios "naturais" que, no fundo, se reduzem a uma típica cidadezinha americana e aos seus dois habitantes que restam, interpretados por Peter Dinklage e Elle Fanning. Dito de outro modo: estamos perante uma saga de sobrevivência cujos sinais são tanto mais perturbantes quanto se confundem com elementos materiais do nosso presente.

Mesmo evitando revelar as nuances daquilo que vai acontecendo a Del e Grace (Dinklage e Fanning), digamos que a sua experiência os coloca no centro de um drama apocalíptico: o que somos, e como somos, quando todos os elementos da nossa identidade estão postos em causa? Sem ostentação, o trabalho de Morano consegue manter a sua história num registo simples, de emoções contagiantes, afinal especulando sobre uma primitiva forma de ansiedade. A saber: a procura de uma dimensão poética para a vida humana.