joao lopes
13 Set 2019 0:05
Como é que os filmes sobrevivem?… Ou como é que um filme se pode perder?… Apetece dizer que "Amazing Grace" constitui um exemplo extraordinário de resistência à possibilidade de apagamento das memórias cinematográficas, que são também, neste caso, memórias musicais.
Aconteceu em 1972. Aretha Franklin (1942-2018) decidiu gravar um álbum de gospel que se viria a intitular, justamente, "Amazing Grace" — uma das referências mais lendárias da sua vasta discografia. Por iniciativa da Warner Bros. (proprietária da Atalantic, então a editora de Aretha), Sydney Pollack foi contratado para registar as gravações, efectuadas numa igreja de Los Angeles, visando a feitura de um documentário a estrear nas salas.
Vale a pena lembrar que, na altura, Pollack era já um nome destacado de toda uma nova geração de criadores de Hollywood, capazes de assumir a complexidade da herança clássica sem deixar de experimentar novos caminhos temáticos e estéticos. Nesse mesmo ano realizou "As Brancas Montanhas da Morte", tendo já assinado, por exemplo, "A Flor à Beira do Pântano" (1966) e "Os Cavalos Também se Abatem" (1969).
Questões de natureza técnica impediram a sincronização de imagens e sons, começando aí um processo de "esquecimento", apenas contrariado a partir de 2007 (um ano antes da morte de Pollack), quando o produtor e compositor Alan Elliott se interessou pela montagem do material disponível (entretanto, graças a recursos digitais, já sincronizado).
O resultado, concluído em 2018, transcende a lógica "ilustrativa" de um documentário tradicional. Isto porque Pollack filma claramente sem plano previamente definido, deixando que as suas câmaras de 16mm (eram quatro no total) sejam contaminadas pela vibração de um evento em que a excelência musical se confunde com a celebração religiosa. Ou como o olhar documental envolve sempre as nuances das histórias individuais e colectivas.