22 Ago 2016 2:17
Há filmes que parecem "condenados" pela imagem que deles o mercado cria — seja pela promoção que os enquadra, seja pelas meras sugestões que circulam. "Os Traficantes" (título original: "War Dogs") é um desses filmes: porque é uma realização de Todd Phillips, o cineasta da série "A Ressaca" (2009/11/13), e porque tem Jonah Hill num dos papéis centrais, então só pode ser uma comédia mais ou menos burlesca…
Nada contra as comédias burlescas, entenda-se. O certo é que "Os Traficantes", mesmo nos seus momentos de delirante sarcasmo, é um filme profundamente desencantadoe amargo. Dir-se-ia que tanto mais quanto na sua base está a história verídica de Efraim Diveroli (Hill) e David Packouz (Miles Teller), dois jovens americanos que, aproveitando alguns "buracos" legais, montaram um esquema de venda de armas aos exército dos EUA no Afeganistão, no valor de 300 milhões de dólares!
Assistimos, assim, a uma vertiginosa aventura (apetece dizer: anti-aventura) em que, subitamente, todos os gestos humanos parecem poder medir-se apenas e só através do dinheiro que movimentam ou atraem. No limite, "Os Traficantes" é um gélido conto moral sobre a perseguição da riqueza e o imaginário do sucesso — tudo aliado numa (falta de) lógica em que o valor da vida humana é, literalmente, negociável.
Tendo como ponto de partida um artigo publicado em 2011 na revista "Rolling Stone" [‘The Stoner Arms Dealers’, de Guy Lawson] Todd Phillips reencontra, assim, o espírito de uma tradição narrativa do cinema americano em que o realismo da narrativa vai a par de uma dimensão de parábola filosófica. Mesmo não esquecendo todas as diferenças de grau e sofisticação, podemos situá-lo como discípulo de Billy Wilder (1906-2002), autor de títulos tão contundentes como "Crepúsculo dos Deuses" (1950), "O Apartamento" (1960) ou "Beija-me, Idiota" (1964).