joao lopes
10 Jun 2016 14:43

No novo filme de Werner Herzog, Robert Pattinson interpreta T. E. Lawrence (1988-1935), o explorador e diplomata inglês consagrado pelo clássico "Lawrence da Arábia" (1962), protagonizado por Peter O’Toole e dirigido por David Lean. E as contas finais não o favorecem muito, desde logo porque a figura de Lawrence é tratada de modo algo esquemático, mas sobretudo porque o foco está noutra personagem: Gertrude Bell (1868-1926).

Por alguma razão o filme se chama "Rainha do Deserto". De facto, tudo remete para as aventuras pessoais e afectivas, diplomáticas e simbólicas de uma mulher singular a que, a propósito da publicação da respectiva biografia, alguém chamou ‘Gertrude da Arábia’. Não por acaso, o maior trunfo do filme de Herzog está na composição de Nicole Kidman, trabalhando de forma subtil os elementos públicos e privados de uma mulher que, afinal, se distinguiu num universo dominado por personagens (e valores) masculinos.

 

Arqueóloga e investigadora, apaixonada pelos contrastes do Império Britânico, Bell acabou por desempenhar um papel importante no período entre os dois conflitos mundiais, tempo em que a reconversão imperial — e, em particular, a independência de países como a Jordânia e o Iraque — alterou todas as regras político-diplomáticas. As suas memórias são tanto mais motivadoras quanto os respectivos cenários e temas sugerem inusitadas rimas com a perspectiva que, hoje em dia, temos do estado das coisas no Médio Oriente.

É pena que o filme de Herzog tenha ficado drasticamente limitado por problemas de produção e rodagem. Apesar disso, há nele um desejo primitivo de cinema que importa sublinhar, além do mais explorando a relação das personagens com um sentimento épico da paisagem que é inerente ao universo do cineasta alemão — lembremos "Aguirre, a Cólera de Deus" (1972), porventura ainda hoje o seu título mais conhecido. Num tempo de desesperada saturação de heróis feitos de artifícios digitais, é salutar deparar com uma heroína realmente humana.

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