Charlotte Gainsbourg e James Franco — o mundo dos adultos tocado pelos temas da infância


joao lopes
12 Nov 2015 22:55

O tema da infância — ou melhor, a inscrição da infância no mundo dos adultos — reaparece regularmente na filmografia de Wim Wenders. Podemos, a esse propósito, recordar títulos tão marcantes como "Alice nas Cidades" (1974) ou "Paris, Texas" (1984). O seu título mais recente, "Tudo Vai Ficar Bem" (agora estreado, depois da passagem no LEFFEST), é mais um luminoso exemplo da sua visão.

O mínimo que se pode dizer de "Tudo Vai Ficar Bem" é que há um desafio, ao mesmo tempo narrativo e moral, no próprio ponto de partida do filme — trata-se, afinal, de contar a história de um escritor (James Franco) que mata acidentalmente uma criança, desse modo iniciando um estranho processo de luto que tende a aproximá-lo da própria mãe da criança (Charlotte Gainsbourg), de alguma maneira distanciando-o da mulher (Rachel McAdams) com que partilha a sua existência…
O argumento de Bjørn Olaf Johannessen e a mise en scène de Wim Wenders expõem, assim, um duplo movimento: por um lado, trata-se de saber como os enigmas das crianças se repercutem nos gestos dos adultos, como se se assistisse a uma permanente reactualização da infância (questão que encontrou um eco muito especial no filme de 1987, "As Asas do Desejo"); por outro lado, o luto do escritor tende a ecoar e, de alguma maneira, a ser resolvido no labor da sua própria escrita. No limite, a ficção pode envolver uma proximidade radical com a verdade mais íntima de cada um.
"Tudo Vai Ficar Bem" é um objecto serenamente fora de moda, avesso a qualquer formatação (dramática, simbólica, etc.) das suas personagens e das situações tão extremas que são levadas a viver. Em boa verdade, trata-se de saber como o enfrentamento da morte pode ser transfigurado em energia vital — decididamente, algum do melhor cinema contemporâneo ensina-nos que a complexidade das emoções humanas nada tem a ver com as leis maniqueístas da telenovela.

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