joao lopes
31 Mai 2018 19:33
Ninguém ignora que os problemas do mercado cinematográfico não podem ser compreendidos, muito menos descritos, através de uma mecânica atribuição de "culpas"… Da difusão dos filmes aos seus ecos no espaço mediático, estamos perante um labirinto complexo que importa olhar para além de qualquer maniqueísmo. O que, entenda-se, não nos deve impedir de chamar a atenção para alguns casos singulares.
"O Workshop", por exemplo, filme de Laurent Cantet exibido na secção "Un Certain Regard", do Festival de Cannes de 2017. Como e porquê estrear um tão fascinante objecto de cinema mais de um ano decorrido sobre a conjuntura que lhe conferiu especial actualidade? Como e porquê adoptar o título anglo-saxónico, quando o filme se chama no original "L’Atelier", palavra não apenas conhecida dos espectadores potenciais, mas também francamente mais adequada para dar conta daquilo que nele acontece?
Em que é que tais percalços afectam as qualidades do objecto em si?… Em nada. Este é, de facto, o retrato íntimo de um atelier de escrita criativa, no Verão, em cenários paradisíacos de La Ciotat, na região de Marselha. A pouco e pouco, Olivia Dejazet (Marina Foïs), escritora muito conhecida e responsável pelo atelier, vai deparar com as resistências de Antoine (Mathieu Lucci), jovem aluno que, através de uma perturbante agressividade, manifesta simpatia pela visão política de uma certa extrema-direita francesa…
Ecos de "A Turma" (2008), o filme de 2008 que valeu a Cantet a Palma de Ouro de Cannes? Sim, sem dúvida, uma vez que reencontramos aqui a preocupação de analisar as relações de aprendizagem como uma variante do frente a frente mais geral das gerações. Contornando qualquer maniqueísmo, seja ele político ou moral, "L’ Atelier" é, em última instância, um filme sobre a espessura da linguagem — escrita ou falada — e a sua inscrição nos laços humanos.
Marina Foïs e Mathieu Lucci são notáveis na composição desse misto de atracção e resistência que define a sua relação, devidamente pontuado pelas outras personagens que participam no atelier. Aliás, a mise en scène de Cantet é suficientemente subtil para nos fazer ver/sentir que tudo isso marca as palavras e os espaços, os diálogos e os silêncios, numa celebração invulgar do cinema como arte da observação e, sobretudo, da escuta.