O canadiano Atom Egoyan é um genuíno autor. Entenda-se: os seus filmes não são "melhores" nem "piores" por causa da sua marca autoral; o certo é que reflectem a coerência de um universo temático que, como em qualquer domínio autoral, implica uma dimensão obsessiva. Aí está mais um revelador exemplo: "Convidado de Honra", longe das suas mais sofisticadas proezas — recordo, em particular, "O Futuro Radioso", Grande Prémio de Cannes/1997 —, mas preservando uma envolvente estranheza.
De onde vem essa estranheza? De uma questão nuclear das narrativas de Egoyan: o espaço familiar vive sob a ameaça de decomposição da sua transparência — da sua familiaridade, precisamente. Assim acontece na história do homem, fiscal de restaurantes, que a certa altura se descobre "convidado de honra" de uma cerimónia insólita; a sua filha, professora de música, cumpre uma pena por causa de um escândalo sexual, diz-lhe que está inocente, ao mesmo tempo que confessa que quer estar presa…
O menos que se pode dizer sobre o argumento de um filme de Egoyan (de novo de sua autoria) é que se trata de um jogo, calculado e sofisticado, com as evidências que o espectador detecta e as ambiguidades que podem arrastar. Dito de outro modo: "Convidado de Honra" evolui como um policial virado do avesso — quando tudo parece chegar a um estado de naturalidade, as nossas certezas podem ser francamente mais frágeis no que no início…
Verdadeiro analista das contradições familiares, incluindo os caminhos ínvios da sua vida moral, Egoyan volta a afirmar-se como um subtil director de actores: David Thewlis e Laysla De Oliveira (pai e filha) são brilhantes de contenção, colocando em cena esse cruel assombramento que contamina toda a sua história. Ao contrário de outras narrativas de Egoyan, "Convidado de Honra" apresenta óbvias dificuldades no seu ziguezague tenporal, em especial no tratamento visual dos "flashbacks". Seja como for, um filme capaz de valorizar o espaço/tempo, preservando o gosto do plano e respectiva duração, é sempre coisa a merecer atenção.