crítica
Bergman, corpo e alma
O mestre sueco nasceu há 100 anos. É um bom momento para redescobrirmos a complexidade, o fascínio e a inteligência da sua obra: aí está, para já, "Saraband", a sua derradeira longa-metragem.
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12 Jul 2018 15:44
Ingmar Bergman nasceu a 14 de Julho de 1918, quer dizer, contas redondas, há um século. As comemorações andam por aí (e ainda bem). Mas importa não ficarmos pelas rotinas mais ou menos oficiais que celebram o génio (e muito bem). Importa, sobretudo, ver e rever os filmes do cineasta sueco (falecido em 2007), acedendo ao labirinto de imagens e sons com que ele nos conduziu através dos mistérios do corpo e da alma.
Saudemos, por isso, o trabalho de alguns distribuidores portugueses que, contrariando o efeito de massificação gerado pelo marketing que domina o mercado, continuam a dar a ver algumas belas memórias clássicas. A Leopardo Filmes anuncia para Outubro uma série de reposições de títulos já apresentados, acrescentando "A Hora do Lobo" (1968), "A Vergonha" (1968) e "Paixão" (1969). Para já, a Midas Filmes devolve-nos a depuração e a beleza daquela que foi a derradeira longa-metragem de Bergman: "Saraband" (2003)
A ideologia dominante insiste em proclamar que as revoluções tecnológicas são apanágio dos filmes de super-heróis, com muitas explosões e ruídos ensurdecedores… Quanto mais não seja para mantermos os nossos espíritos abertos à pluralidade do cinema, vale a pena lembrar que "Saraband" ficou como uma referência pioneira na consolidação do cinema digital. Foi há 15 anos: Bergman rodou "Saraband" com algumas das primeiras câmaras digitais e não permitiu que o seu filme fosse projectado em película — escusado será sublinhar que, na altura, a projecção digital era uma raridade.
Retomando as personagens interpretadas por Liv Ullmann e Erland Josephson em "Cenas da Vida Conjugal" (1973), "Saraband" funciona também como um capítulo de revisitação, desencanto e ternura na filmografia de Bergman. Que é como quem diz: o reencontro de um casal que tenta unir as pontas soltas de uma história de amor e desamor, entrega e desilusão — mesmo nos particularismos das suas complexas situações emocionais, Ingmar Bergman sempre foi, continua a ser, um cineasta universal.