Patti Scialfa e Bruce Springsteen — um concerto que é também uma viagem familiar


joao lopes
9 Abr 2021 2:07

Como filmar um concerto? A pergunta pode servir de mote para a definição de um sub-género do musical — o "filme-concerto" —, mas há nela qualquer coisa de insuficiente. E por uma razão óbvia: não existe uma matriz universal, seja ela técnica ou estética, para filmar um concerto, já que importa começar por reconhecer as características específicas do próprio… concerto.

A questão está longe de ser banal, como podemos compreender através do magnífico "Springsteen on Broadway" (Netflix). Na verdade, o espectáculo que Bruce Springsteen protagonizou no Teatro Walker Kerr (236 performances em 2017/18) será tudo o que se quiser menos um evento convencional. E, no entanto, é também um modelo de simplicidade: um homem em palco, uma guitarra, um piano…
Thom Zimny, o realizador, é um velho aliado artístico de Springsteen, tendo dirigido para ele vários registos, de telediscos a concertos. E não há dúvida que conhece as muitas nuances da presença em palco de The Boss. Daí que "Springsteen on Broadway" consiga acompanhar uma performance de duas horas e meia, preservando a serenidade e o calor de uma elaborada dissertação pessoal & confessional.

A certa altura, Patti Scialfa, a mulher de Springsteen, partilha com ele o palco. Mas não é uma "segunda" intérprete, antes uma presença (breve) que sublinha os ecos familiares de toda a obra de Springsteen e, nessa medida, o intimismo da exposição.
A palavra exposição revela-se duplamente pertinente — primeiro porque, através de magníficos monólogos, esta é uma evocação de uma trajectória eminentemente pessoal (em parte derivada da autobiografia "Born to Run", entre nós lançada em 2016); depois porque tudo o que Springsteen nos vai contando é pontuado e, de alguma maneira, recriado através das canções. Ou como a teatralidade de um concerto pode gerar uma depurada experiência cinematográfica.

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