Birte Schnöink no papel de Henriette Vogel — desafiando os equilíbrios entre arte e sociedade


joao lopes
29 Mar 2015 19:36

Como é sabido pelos registos históricos, a relação entre o escritor romântico Heinrich von Kleist (Christian Friedel) e Henriette Vogel (Birte Schnöink) está marcada por uma violenta pulsão de morte — para von Kleist, o consumar do amor só podia conduzir a uma aceitação extrema, afinal serena, do fim da existência neste mundo. Ou ainda: esta é uma história indissociável da dramática transição do séc. XVIII para o séc. XIX, num universo de pensamento em que os tradicionais equilíbrios entre razão e emoção surgem profundamente transfigurados.



Até certo ponto, o filme da austríaca Jessica Hausner, "Amor Louco", pode definir-se como um objecto biográfico — trata-se, afinal, de encenar a aproximação de von Kleist e Vogel, pressentindo o seu trágico desenlace. Em todo o caso, nada permite confundi-lo com muitos retratos deterministas que, obedecendo a formatações de raiz televisiva, apresentam a vida artística (?) como uma ilustração mecânica de "temas" ou "tendências".

Nem se trata, entenda-se, de fazer uma "reconstituição" histórica (aliás, a própria designação omite o facto de qualquer narrativa ser um elemento novo e singular, não uma "repetição" do que quer que seja). Hausner filma, afinal, tudo aquilo, material ou imaterial, que aproxima e afasta o par de protagonistas — e tudo passa pelo poder imenso da palavra, neste caso associado ao encantamento da música que Vogel interpreta.
Daí a estranha e fascinante transparência de um filme como "Amor Louco": por um lado, deparamos com um mundo em que todos os equilíbrios — entre senhores e criados, arte e sociedade, vida e morte — parecem estar previstos, racionalizados e controlados; por outro lado, von Kleist e Vogel vivem uma odisseia que, em última instância, desafia todas as suas relações (privadas e públicas). É o mais discreto dos filmes, inclusive na sua beleza radical.

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