Memórias dos massacres de 1965-66 na Indonésia — entre o que se vê e o que se diz


joao lopes
12 Jun 2015 23:43

Não há muitos filmes capazes de nos confrontar com a complexidade da história dos seres humanos, ao mesmo tempo que nos permitem pensar essa complexidade através de meios visceralmente cinematográficos. "O Olhar do Silêncio" é um desses filmes — por certo um dos mais espantosos documentários dos últimos anos e, em qualquer caso, desde já, um dos filmes maiores lançados em 2015 nas salas portuguesas.

Com "O Olhar do Silêncio", o realizador americano Joshua Oppenheimer prolonga o trabalho já desenvolvido através de "O Acto de Matar" (2012). Nesse filme anterior, evocava o extermínio de cerca de meio milhão de cidadãos da Indonésia, conduzido por um bando de mercenários que, em nome de uma purga anti-comunista, em 1965-66, prepararam o caminho para a chegada ao poder do Presidente Suharto — Oppenheimer conseguiu, não apenas dialogar com alguns dos líderes dessa terrível matança (que continuam a viver sem que lhes sejam pedidas responsabilidades pelos crimes cometidos), como registá-los a "encenar" o(s) seu(s) acto(s) de matar.



Agora, em "O Olhar do Silêncio", tudo passa pela experiência de um homem (e dos seus pais) cujo irmão mais velho foi morto naquele período. Por um lado, dando-lhe a ver entrevistas com os assassinos, numa delas evocando mesmo o modo como mataram o irmão do protagonista; por outro lado, promovendo o "diálogo" entre esse protagonista e aqueles assassinos. O resultado tem qualquer coisa de uma terrível placidez — trata-se de, através do cinema, reavivar as memórias que alguns querem apagar para sempre.





Nada a ver, entenda-se, com o dispositivo corrente de reportagem em que se coloca um microfone em frente de alguém, julgando que tal basta para "transcrever" a história… O que acontece em "O Olhar do Silêncio" apenas acontece em cinema, pelos meios singulares do cinema: trata-se de enfrentar a história como uma teia de desigualdades em que, no limite, cada indivíduo pode ter de lutar pelo direito, não tanto a "mostrar", mas a dizer a sua verdade — este é um filme de consagração do poder da fala.

Na ausência de imagens de "arquivo", deparamos, aqui, com um dispositivo que, até certo ponto, faz lembrar a linguagem do monumental "Shoah" (1985), de Claude Lanzmann, sobre o Holocausto. Mais do que isso, somos levados a pensar em "A Imagem que Falta" (2013), de Rithy Panh, sobre as atrocidades dos Khmers Vermelhos — perante a ausência, ou a eventual ambiguidade das imagens, é a palavra que vem preencher o vazio, repondo a urgência humana, mas também política e simbólica, das palavras.

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