joao lopes
25 Jan 2019 18:25
Em anos recentes, diversas efemérides repuseram as memórias da Segunda Guerra Mundial na actualidade, não apenas social e política, mas também cinematográfica. 2019 voltará a ser um ano de reflexão em torno de tais memórias: assinalam-se os 80 anos de início do conflito (a 1 de Setembro de 1939, com a invasão da Polónia pelas tropas alemãs); o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto ocorre a 27 de Janeiro.
O filme "Debaixo do Céu", de Nicholas Oulman, será, por certo, um objecto marcante nessa dinâmica, na sua dialéctica conhecimento/pensamento. Trata-se de revisitar as lembranças de pessoas de origem judaica que, com a chegada dos nazis ao poder, em 1933, abandonaram a Alemanha, procurando refúgio em diversos países (incluindo Portugal) — o filme é uma teia de memórias faladas que ecoam nas espantosas imagens de arquivo.
Estamos perante uma singular via do género documental. De facto, não é todos os dias que um filme prescinde da voz de um narrador, mais ou menos dominador, que se limita a "descrever" o que vemos nas imagens. Oulman registou os testemunhos de quem era ainda criança em meados da década de 30, mas que guarda uma memória muito viva das agressões nazis e da máquina de aniquilamento liderada por Hitler — as suas vozes, concisas e serenas, povoam a banda sonora.
Imagens como os jovens estudantes, ainda vivendo um ambiente de incauta alegria, ou os dantescos escombros de Berlim em 1945 são elementos tanto mais impressionantes quanto surgem "enquadrados" pelas palavras dos que sobreviveram e, agora, partilham connosco as suas experiências — "Debaixo do Céu" é um objecto exemplar do valor histórico, e também da vibração humanista, que o olhar documental pode envolver.