joao lopes
8 Out 2015 0:50
Ao descobrirmos a nova realização de Robert Zemeckis, "O Desafio" (título original: "The Walk"), talvez seja inevitável recordarmos que já conhecíamos a proeza de Philippe Petit através do filme "Homem no Arame" (2008), de James Marsh, distinguido com o Oscar de melhor documentário. Que proeza? Pois bem, a travessia, em equilíbrio num arame, entre as Torres Gémeas do World Trade Center, a 7 de Agosto de 1974.
Dir-se-ia que, agora, ao encenar a aventura de Petit, Zemeckis foi o primeiro a ter consciência de que não seria necessário tentar "explicar" ou "racionalizar" tão surreal empreendimento — aconteceu, está testemunhado; tratava-se agora de saber como ficcionar o que parece sempre tão distante de qualquer tentativa de descrição.
Talvez por isso, "O Desafio" apresenta-se como um filme narrado na primeira pessoa: é o excelente Joseph Gordon-Levitt que, desde a primeira imagem, evoca o feito insólito que protagonizou — em tempos de tanto gratuito "espectacular", esta é, afinal, uma odisseia confessional, mergulhando na intimidade de um homem capaz de desafiar qualquer prudência mais sensata.
Há outra maneira de dizer isto. E tem a ver, necessariamente, com a exuberante sofisticação dos passos (literalmente!) dados por Petit: em vez de construir o seu filme como uma apoteose meramente técnica, Zemeckis nunca abandona o valor fundamental — valor humano e valor dramático — da personagem.
Estamos, por isso, perante um dos objectos de mais complexa fabricação que, por certo, se produziram nos últimos anos (nos estúdios americanos ou em qualquer contexto); ao mesmo tempo, essa complexidade não é um fim em si mesmo, já que tudo acontece, aqui, através da transparência de um desejo humano tocado pela mais contagiante insensatez — caminhar entre as Torres Gémeas constitui, por assim dizer, um facto em que a nitidez da morte é resgatada pela energia da vida.
Além do mais, Zemeckis prova que a utilização do 3D (sem esquecer a comovente grandiosidade que o IMAX pode envolver — e em que nos envolve) pode estar muito para além de qualquer "fogo de artifício" mais ou menos vistoso e efémero — como sempre, trata-se de acreditar na história que se conta, para tal escolhendo os instrumentos técnicos mais adequados. Cinema maior que a vida, literal e simbolicamente.