20 Jan 2019 0:28
Será que o leitor se lembra de "A Corda" (1948), de Alfred Hitchcock? O filme dinamarquês "O Culpado", de Gustav Möller, não terá a genial sofisticação desse peculiar exercício de suspense. Mas também não é essa a questão. Sublinhemos apenas que encontramos aqui uma hábil maquinação hitchcockiana, alicerçada em duas componentes fundamentais: a unidade cénica do lugar em que decorre a acção e a continuidade temporal dessa acção (no caso de Hitchcock tratada através de um célebre "plano-sequência").
O dispositivo é, de facto, tão austero quanto envolvente, contaminado por uma crescente claustrofobia. Tudo acontece em torno de Asger Holm, polícia de serviço num centro de atendimento (apenas duas salas, em boa verdade…) que recebe chamadas de socorro mais ou menos dramáticas, quase sempre indiciando algum tipo de violência. Quando ouve a voz angustiada de uma mulher aparentemente raptada pelo marido, empenha-se de tal modo na tentativa de a salvar que acaba por desafiar as fronteiras deontológicas da sua função.
Há um trunfo fundamental no crescendo de perturbação que o filme coloca em cena. Chama-se Jakob Cedergren, actor sueco, e compõe a personagem de Asger num misto de vibração e contenção que é, de facto, um invulgar tour de force. Talvez não seja exagero dizer que uma boa metade das imagens de "O Culpado" são grandes planos de Cedergren — ele consegue a proeza de expor a tensão que nasce do cruzamento dos factos que Asger está a protagonizar com elementos do seu próprio passado que, inesperadamente, vão emergindo.
Não sendo uma novidade formal, "O Culpado" não deixa de ser um simpático objecto fora de moda, apostado em trabalhar emoções que nascem de factores visceralmente humanos, não de "efeitos especiais" mais ou menos acelerados e ruidosos. Na corrida para as nomeações do Oscar de melhor filme estrangeiro, poderá estar à beira de uma importante carreira internacional — recorde-se que a Dinamarca já ganhou três vezes essa categoria, a última com "Num Mundo Melhor" (2010), de Susanne Bier.