4 Dez 2020 21:57
Eis um filme que, apesar de não ser uma produção muito recente (foi lançado em 2016 nos circuitos alemães), responde e corresponde de modo sugestivo a diversas questões da actualidade cinematográfica — portuguesa e internacional. Dito de outro modo: "66 Cinemas", de Philipp Hartmann, é um reflexo, prático e pedagógico, das actuais condições de difusão dos filmes em salas.
É verdade que a conjuntura de pandemia agudizou muitas dessas questões, conferindo renovado protagonismo às plataformas de streaming. De qualquer maneira, será sempre precipitado considerar que os seus efeitos ajudam a explicar todos os problemas que se colocam à existência pública dos filmes — importa pensar o que já existia antes da pandemia, incluindo o streaming. O processo de gestação de "66 Cinemas" ajuda a explicar um pouco do que estava, e está, em jogo.
Assim, em 2013, Hartmann fez um documentário sobre um tema com o seu quê de enigmático: a cronofobia, isto é, o medo e ansiedade face à passagem do tempo — com um título curioso e irónico: "O Tempo Passa como um Leão que Ruge". O filme cumpriu o circuito dos festivais, deixando o autor empenhado em ampliar a respectiva difusão.
Conseguiu, de facto, garantir a sua distribuição em algumas salas da Alemanha, acabando por decidir acompanhar essa distribuição, visitando as salas e dialogando com os seus responsáveis — aconteceu ao longo de cerca de nove meses, em 2014/2015. Daí o título sugestivo: "66 Cinemas". Ou seja: Hartmann dá-nos a ver a enorme diversidade do mercado de exibição na Alemanha, desde um cinema construído no salão de um antigo convento até aos modernos multiplex, passando pelos clássicos e saudosos cinemas chamados de arte e ensaio.
"66 Cinemas" possui as virtudes, e também os limites, de um objecto que se parece mais com uma convencional reportagem televisiva do que com um genuíno trabalho cinematográfico. Seja como for, por ele passam os temas, as perguntas e as inquietações de um momento de transfiguração do cinema e, sobretudo, do consumo do cinema: passámos da tradição, isto é, dos filmes em película, para a actual conjuntura, quer dizer, o cinema digital. Na Alemanha, claro, e em todo o planeta cinéfilo.