joao lopes
13 Nov 2014 0:03
Para onde vai a televisão contemporânea? Que fantasmas a corroem? Como é que os seus dramas interiores condicionam a nossa visão do mundo?
São interrogações que o filme escrito e dirigido por Dan Gilroy, "Nightcrawler" — entre nós lançado com o subtítulo "Repórter na Noite" (por que não ficar pela tradução: "Réptil da Noite"?) — enfrenta com sentida frontalidade. Não se trata, entenda-se, de dizer que "toda" a televisão está marcada pelos horrores que o filme aborda — mas é um facto que toda a televisão terá interesse em reflectir sobre a possibilidade de ser assombrada por tais horrores.
Em termos simples, digamos que "Nightcrawler" segue a trajectória perversa de Lou Bloom (magnífico Jake Gyllenhaal), um homem desesperado por encontrar um emprego na paisagem agreste do quotidiano de Los Angeles. Quando um dia descobre o trabalho das equipas de filmagem que vendem matéria de reportagem aos canais televisivos de informação, percebe que tem aí uma via possível… Mais do que isso: rapidamente compreende que há canais cuja procura se resume aos rótulos "sangue", "violência" e "choque".
O que é terrível na produção de imagens de Bloom não é apenas que ele explore o sofrimento dos outros (por vezes com pequenos toques de "encenação"). Para além disso — e, sobretudo, através disso —, ele acaba por funcionar como peão de um sistema de (des)informação totalmente conduzido por uma procura das audiências máximas, sem qualquer respeito, não apenas pela complexidade dos factos, mas sobretudo pelos seres humanos que "retrata".
O filme de Dan Gilroy vem inscrever-se, assim, numa lista de abordagens do universo televisivo pelo cinema americano, balizada por títulos emblemáticos como "Network" (1976), de Sidney Lumet, ou "Wag the Dog" (1997), de Barry Levinson. Podemos dizer que o cinema se apresenta como reserva moral das imagens (e sons), resistindo à facilidade, à demagogia e ao populismo de algumas maneiras de entender/praticar a televisão.