joao lopes
6 Jun 2014 22:07
Quando descobrimos um novo filme português, é quase inevitável que (nos) perguntemos: que Portugal vemos na história que o filme nos conta? No caso de "A Vida Invisível", de Vítor Gonçalves, apetece responder através de um paradoxo enraizado na fascinante complexidade dos resultados; por um lado, deparamos com a saga abstracta de alguém que tenta encontrar um sentido para a sua identidade; por outro lado, a sua trajectória revela-se indissociável de um aqui e agora muito concreto, visceralmente português.
Esta é a história de Hugo (Filipe Duarte) e da sua relação distante, mas cúmplice, com o seu superior hierárquico, António (João Perry). A doença terminal de António vai desencadear um efeito revelador: de algum modo, a evolução do seu estado de saúde funciona como um bisturi do próprio destino de Hugo, e tanto mais quanto este, ao reencontrar Adriana (Maria João Pinho), parece acreditar na possibilidade de voltarem a ter uma vida conjunta…
É uma história a que acedemos, não exactamente tendo Lisboa como pano de fundo, mas como se a cidade fosse o lugar de uma vertigem (invisível, apetece dizer) que contamina todos os gestos de todas as personagens. Exemplo modelar dessa respiração narrativa é o conjunto de planos sobre as obras no Terreiro do Paço, por assim dizer expondo uma lógica de desnudamento e reconstrução.
"A Vida Invisível" possui, assim, a dinâmica de uma crónica social em que, explicitamente ou não, reconhecemos algumas componentes da nossa conjuntura: a solidão urbana, a desagregação dos laços familiares, o esvaziamento humano das relações profissionais… Ao mesmo tempo, tudo se passa como se Vítor Gonçalves nos quisesse mostrar o desejo imenso de sair dessa teia, a par da dificuldade de cada um formular tal desejo — ou partilhá-lo com outro.
Quase três décadas passadas sobre "Uma Rapariga no Verão" (1986), Vítor Gonçalves regressa, assim, a uma escrita da intimidade, habitada por ecos díspares da nossa actualidade. "A Vida Invisível" é a prova muito real de que é possível filmar o que somos (ou imaginamos ser) sem ceder aos estereótipos dramáticos ou morais que, todos os dias, circulam pelas telenovelas. Decididamente, isto não é a rotina televisiva — isto é cinema.