joao lopes
21 Abr 2021 1:33
Há uma sensibilidade moderna que se enraiza na releitura e reinvenção de narrativas clássicas; para nos ficarmos por um exemplo sugestivo, lembremos o trabalho de Jason Reitman em Hollywood (através de filmes tão singulares como "Juno", "Nas Nuvens" ou "Tully"). E há um "modernismo" algo decorativo que confunde essa possibilidade de reinvenção com a acumulação de referências "culturais".
"Undine", do alemão Christian Petzold, é um exemplo dessa segunda vertente. Dir-se-ia que o filme apenas pede ao seu espectador que venha munido da "chave" mitológica que permite decifrá-lo… Que é como quem diz: Undine é uma variante da ninfa aquática (Ondina) que se torna humana quando se apaixona e morre quando o amante a atraiçoa…
Claro que Petzold possui as qualidades de quem sabe o valor do espaço e do tempo — a cena de abertura, no café, é nesse aspecto, pelo menos, um exemplo de competência. O certo é que a inserção da acção em Berlim dos nossos dias (sublinhada pelo facto de Undine ser uma especialista em desenvolvimento urbano), ainda que sugestiva, parece reduzir-se a um esquematismo "simbólico" susceptível de gerar algum contraste "revelador" com os cenários mitológicos.
Paula Beer e Franz Rogowski, respectivamente como a "ninfa" moderna e o seu amante, são obviamente actores muito sólidos, mas vagueiam na indefinição das personagens. Os resultados são tanto mais desconcertantes quanto Petzold já tinha dado provas de outro rigor e densidade em filmes clássicos e "históricos", sem derivações abstractas, como "Barbara" (2012) ou "Phoenix" (2014).