4 Set 2020 19:23
Lembremos uma verdade rudimentar: o tratamento fílmico de uma personagem histórica vale, antes do mais, vale mesmo sobretudo, pelas singularidades dessa personagem. Ou seja: não há necessidade de sublinhados "simbólicos" para que o espectador reconheça, compreenda e admire tais singularidades.
Daí a sedução e, ao mesmo tempo, a frustração de um filme como "Radioactivo", sobre a vida de Marie Curie (1867-1934) e os seus estudos pioneiros sobre a radioactividade, desenvolvidos com o marido, Pierre Curie (1859-1906). Na verdade, tais proezas valem por si, são matéria dramática suficientemente consistente, sendo redundante (para não dizer grosseiro) pontuar as descobertas do casal Curie com os episódios mais trágicos de aplicação da energia nuclear, incluindo a bomba de Hiroshima e o acidente da central de Chernobyl…
Dir-se-ia que a realizadora Marjane Satrapi ("Persépolis") não acreditou no seu próprio material narrativo, obrigando a "sua" Marie Curie a funcionar como mensageira de tudo e mais alguma coisa, incluindo uma noção abstracta e generalista — entenda-se: desligada de qualquer contexto — de um premonitório feminismo. Na prática, semelhante esquematismo só pode banalizar a causa que pretende ilustrar ou defender.
Ainda assim, o filme consegue sobreviver através do seu elenco, com destaque natural para Rosamund Pike, compondo uma Marie Curie em que a energia emocional se cruza com a obsessão cinetífica. Além do mais, estamos mesmo perante um objecto de assinalável requinte de produção, incluindo o sofisticado trabalho de direcção de imagem de Anthony Dod Mantle — sem surpresa, já que ele possui uma filmografia brilhante, incluindo "Quem Quer Ser Bilionário?", de Danny Boyle, que lhe valeu o Óscar de melhor fotografia referente a 2008.