O artista e o homem tatuado filmados por Kaouther Ben Hania


joao lopes
26 Jun 2021 1:23

Qualquer abordagem de "O Homem que Vendeu a Sua Pele" não pode deixar de começar por destacar a singularidade da odisseia da personagem central de Sam Ali: refugiado sírio, ele está no Líbano e vislumbra uma hipótese de viajar para a Europa… Como? Transformando-se, literalmente, num "objecto de arte": um artista irá fazer uma tatuagem nas suas costas, visando a respectiva "exposição" em diversos museus…

Convenhamos que, de um ponto de vista dramático, a hipótese é sugestiva. Aqui está uma personagem cujo desejo de liberdade existe, ou melhor, enuncia-se através de uma muito directa utilização simbólica do corpo. E tanto mais quanto o artista que "contrata" as costas de Sam Ali não irá fazer uma tatuagem "abstracta": o que ele desenha é uma reprodução de um visto para viajar no espaço Schegen!
Infelizmente, "O Homem que Vendeu a Sua Pele" é um filme algo à deriva, nunca encontrando um tom coerente para expor o seu misto de crónica política e parábola (também política). Dir-se-ia que a realizadora tunisina Kaouther Ben Hania, também argumentista, tenta compensar o esquematismo da sua abordagem política com a ostentação de um simbolismo de recurso — aliás, desembocando num final que, face aos elementos anteriores do filme, se afigura francamente postiço.
É pena que assim aconteça, quanto mais não seja porque Yahya Mahayni, intérprete de Sam, consegue expor os sinais de perplexidade e desespero de uma saga sempre à beira do surreal. Para a história, registe-se que a actualidade (ou, pelo menos, o "efeito" de actualidade) de "O Homem que Vendeu a Sua Pele" lhe valeu, em representação da Tunísia, uma nomeação para o Óscar de melhor filme internacional.

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