6 Nov 2021 23:41
Face a um filme como "Spencer", creio que será importante ou, pelo menos, útil fazer chegar ao potencial espectador uma informação objectiva e, assim o espero, esclarecedora. A saber: não adianta ver (ou tentar ver…) o filme de Pablo Larraín como se fosse uma derivação dos vários telefilmes ou séries que já retrataram a Princesa Diana.
Não se trata, de facto, de criar uma espécie de telenovela naturalista (?) em que o essencial seria a maior ou menor "parecença" da actriz, a maior ou menor "fidelidade" ao guarda-roupa que definiu aquela que entrou para a história — e também para a mitologia histórica — como “Princesa do Povo”.
Não simplifiquemos. Claro que tudo isso lá está, de alguma maneira. O mais importante, aquilo que torna o filme de Larraín um admirável objecto de cinema é o facto de a personagem de Diana ser tratada como peça dramática de uma saga profundamente humana. Ou seja, para a personagem, trata-se de saber quem é, a que lugar pertence.
Observe-se, a esse propósito, a inteligente "colagem" de sequências que abre o filme. Primeiro, com Diana sozinha ao volante do seu automóvel (o que, além do mais, desrespeita as regras de segurança da família real britânica), tentando decifrar o mapa que utiliza; depois, entrando no café de uma estação de serviço, de imediato reconhecida, embora tratada como passageira de um ovni que acabou de aterrar; enfim, redescobrindo os lugares da sua infância, isto é, a propriedade do pai…
Kristen Stewart é admirável na encarnação dessa demanda em que Diana se confronta com a lógica teatral dos comportamentos da família real. O protocolo é, para ela, uma afronta — o importante é perceber o que faz ali e se tem ou não liberdade para ser fiel à sua própria identidade.
Pormenor importante é o facto de, logo na abertura do seu filme, Larraín identificar "Spencer" não como o tradicional filme baseado em personagens verídicas, mas sim uma fábula inspirada em personagens verídicas — o que, convenhamos, é bem diferente e revelador da estrutura dramática do filme.
O cinema impõe-se, assim, como uma máquina romanesca em que os artifícios narrativos nos devolvem, afinal, um estranho e perturbante realismo. Até porque convém não esquecer que o título do filme evoca o apelido de solteira de Diana, Diana Spencer.