joao lopes
22 Fev 2019 0:19
"Monrovia, Indiana" é mais um filme lançado no cinema Ideal, em Lisboa, com a colaboração do Doclisboa. Esperemos que, a partir deste lançamento, seja possível vê-lo a circular por outras salas do país. Porquê? Por uma razão muito básica: trata-se de um dos mais espantosos documentários a que, em anos recentes, pudemos aceder.
Enfim, é preciso lembrar que estamos perante mais um projecto resultante da trajectória, de uma só vez obsessiva e didáctica, de um dos maiores documentaristas da história do cinema: o americano Frederick Wiseman (n. 1930). Autor de títulos marcantes como "Crazy Horse" (2011) ou "National Gallery" (2014), isto para apenas citarmos alguns dos seus projectos mais recentes, ele é alguém que conduziu a arte da observação à dimensão de uma filosofia sobre os limites e contradições do real.
Como muitas vezes acontece na dinâmica criativa de Wiseman, estamos "apenas" perante cenas quotidianas de uma pequena povoação (menos de dois mil habitantes) no estado do Indiana. Da rotina dos estudantes do liceu aos encontros espirituais de uma congregação religiosa, passando pelos trabalhos agrícolas, somos confrontados com os gestos e valores que, de uma maneira ou de outra, definem uma comunidade.
Nada aqui decorre de qualquer visão pitoresca, muito menos paternalista. Wiseman é um cineasta da diversidade do humano, ao mesmo acutilante na revelação das suas componentes e avesso a qualquer postura normalizadora ou moralista. Nestes tempos em que se confundem as agitações do marketing com a identidade do cinema, "Monrovia, Indiana" é um filme que nos reconcilia com o gosto, o método e a exigência de olhar o mundo à nossa volta.