joao lopes
8 Fev 2018 18:08
Para quem reduza os filmes a meia dúzia de peripécias mais ou menos pitorescas, porventura "polémicas", não há dúvida que "Todo o o Dinheiro do Mundo" tem muito para contar… Este é, de facto, o filme que começou por ter Kevin Spacey no papel do multimilionário John Paul Getty (1892-1976); quando surgiram as acusações de assédio sexual contra o actor, o realizador Ridley Scott decidiu suprimi-lo, refilmando todas as suas cenas com Christopher Plummer.
Pergunta de algibeira: o filme ficou "melhor" ou "pior"? Em boa verdade, é uma pergunta absurda — só existe uma versão do filme, tornando qualquer tentativa de "comparação" um exercício sem nexo. Podemos apenas supor que, perversamente, o próprio Scott terá ficado satisfeito, uma vez que Plummer tinha sido a sua escolha inicial, tendo utilizado Spacey apenas por imposição do estúdio produtor (Sony/TriStar) que o considerava um nome comercialmente mais apelativo.
Infelizmente para o filme os problemas (cinematográficos) são de outra natureza. Estamos mesmo perante um caso insólito de desperdício, de tal modo "Todo o Dinheiro do Mundo" esbanja os talentos da sua ficha técnica, a começar pelos actores (Michelle Williams, Mark Wahlberg, etc.), transmitindo uma estranha sensação de desamparo e… falta de direcção.
Como tem sido amplamente divulgado, trata-se de evocar o rapto de John Paul Getty III, neto do velho Getty. Corria o ano de 1973 — na altura com 16 anos, o jovem Getty foi raptado em Roma por um grupo que exigiu um resgate de 17 milhões de dólares. O dramatismo da situação acabaria por ser ampliado pela posição do multimilionário: cioso do seu dinheiro, mostra-se indisponível para pagar a libertação do neto…
Estranhamente no trabalho de um cineasta com a experiência de Scott, "Todo o Dinheiro do Mundo" exibe uma débil estrutura narrativa e uma montagem caótica, por vezes fazendo lembrar os mais medíocres exemplos de um velho cinema "policial" que, nos anos 60/70, proliferou através de muitas coproduções europeias de raiz italiana. A caracterização dos raptores é mesmo de um simplismo caricato, rapidamente anulando o efeito de realismo que o filme procura.
Não há dúvida que "Todo o Dinheiro do Mundo" ficará nas crónicas dos usos e costumes do nosso tempo, cruzando-se com debates (de natureza legal, cultural e simbólica) que, obviamente, transcendem a sua dimensão de objecto cinematográfico. É pena que, no meio de tudo isso, o cinema seja tão mal servido.